Qual será o ritmo da cautela e parcimônia?

Estão postas as condições básicas para que os cortes de juros finalmente se iniciem. A
decisão do Conselho Monetário Nacional de estender ao longo prazo a meta de inflação
em 3% e o intervalo de flutuação em +/-1,5 ponto porcentual deu novo fôlego à queda
das expectativas de inflação. A NTN-B de 1 ano projeta inflação implícita de 0,3% m/m
(3,7% a/a), mostrando que o mercado também precifica uma desaceleração inflacionária.
O mercado debate agora qual será o ritmo apropriado de redução dos juros – ou, colocado
de outra forma, com quantos pontos-base se faz cautela e parcimônia.


Acredito que a cadência do passo de corte da Selic depende da evolução do cenário
inflacionário – se benigna ou não: é ela quem vai determinar por quanto tempo ainda
precisaremos manter a política monetária apertada e, com isso, a que ritmo se pode
trazer o juro para seu patamar neutro.


O grau de aperto da política monetária não é determinado simplesmente pelo nível
da Selic, ele é medido comparando a taxa de juro real (ajustada à inflação) e seu
patamar neutro. A melhor medida do juro real é dada pelo chamado juro real exante que é o swap DI de 1 ano descontado a inflação esperada um ano à frente.
Em 2023 esta taxa oscilou entre 6% e 7%, muito superior às estimativas do BCB
para a zona de neutralidade (ao redor de 4,5% em termos reais, segundo o último
Relatório de Inflação). Neste período, o swap de 1 ano caiu, passando a precificar
cortes, mas o juro real ex-ante ficou relativamente estável porque as expectativas
de inflação 12 meses à frente também caíram mais de 1 ponto porcentual.
Se o BCB entender que o grau de aperto monetário atual não se justifica mais e quiser
reduzi-lo, precisará reduzir a Selic em maior velocidade que as expectativas de inflação.
Logo, o ritmo de cortes depende em grande medida do que acontece com as expectativas.
Imaginemos como primeiro cenário que, ao final deste ano, as expectativas apontem
convergência à meta em 2024 (3%). Se o swap de 1 ano seguir precificando os mesmos
cortes que embute agora, ao final do ano ele estaria apontando uma Selic de 9% no
encerramento de 2024. Ou seja: o juro real ex-ante estaria pouco acima de 6% —
basicamente o mesmo nível, e mesmo grau de aperto monetário, que temos agora.
Mas há aqui uma contradição: expectativa de inflação na meta é uma condição
compatível com normalidade – não aperto monetário! Ou seja, se a expectativa de
inflação convergir para a meta até o final do ano, muito provavelmente haveria condição
de cortar os juros mais – e portanto mais rapidamente – do que a curva precifica hoje.
Cabe então perguntar se esta convergência das expectativas é provável.

Vários fatores compõem o panorama inflacionário: externos e internos. A dinâmica da
inflação mundial importa para inflação doméstica. Existe sincronia entre o comportamento
da inflação nas economias emergentes e nas avançadas. O comportamento dos
preços de commodities é relevante nesta sincronia porque representa a queda nos
custos de matéria-prima na cadeia produtiva. Um exemplo é o efeito desinflacionário
da queda do preço do petróleo. Além disso, nos países avançados, que são
importadores líquidos de commodities, a queda de seu preço resulta em desinflação.
Internamente, importam para a trajetória da inflação e das expectativas o grau de
aquecimento da economia, a condução da política fiscal e o comportamento da moeda.
É preciso reconhecer que existem riscos relevantes em cada um destes fronts.
Externamente, a resiliência do consumo e a pressão sobre serviços e salários podem
reduzir – ou até estancar – o impacto da queda dos insumos sobre a inflação. Internamente,
a continuidade do aperto monetário nos EUA e na zona do euro devido à resiliência da
inflação poderia resultar em enfraquecimento da nossa moeda e, consequente, pressão
inflacionária. Sem contar com os estímulos à demanda doméstica via as políticas fiscais
e parafiscais, que também poderiam alimentar uma alta ou estabilidade das expectativas.
Qual desses cenários é o mais provável? Até junho, o mercado atribuía maior
probabilidade para o cenário benigno de inflação no Brasil, isto é convergência das
expectativas para 3%. Neste cenário, não é a Selic, mas sim o grau de aperto monetário
que precisa cair com cautela e parcimônia. Cortes da Selic em 25bps não reduzem o
juro real; se estivermos em condições de caminhar para o juro neutro, precisaremos de
passos mais largos. Por isso, espero que já o primeiro corte em agosto seja de 50bps,
com uma provável aceleração para 75bps ainda este ano.


Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e
escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras

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