Inflação Climática

Problemas climáticos não são mais uma questão teórica, já afetando a vida cotidiana de maneira prática. A piora da qualidade do ar devido a incêndios florestais, inundações causadas por rios atmosféricos e a intensificação de tornados e furacões, em função do aumento da temperatura da superfície do mar, são exemplos claros disso.

Globalmente, essas questões impactam a oferta e contribuem para a alta da inflação. Em 2023, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) confirmou 25 desastres causados por questões climáticas, com perdas de US$ 1 bilhão nos EUA. No Brasil, o aumento da temperatura média, combinado com o El Niño, reduziu a safra de grãos em 6,4% em relação a 2023, elevando os preços dos alimentos.

A mesma superneblina e fumaça tóxica que atingiu o Meio-Oeste e o Nordeste dos EUA, causados pelos incêndios no Canadá – que resultaram na pior qualidade do ar no mundo em Nova York, em junho de 2023, e no fechamento temporário do Aeroporto LaGuardia – agora afetam o Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, devido aos incêndios na Amazônia e em outras áreas do País. São Paulo, inclusive, registrou a pior qualidade do ar no mundo neste mês. Rios atmosféricos, responsáveis pelas inundações e deslizamentos na Califórnia no início de 2023, estavam presentes nas chuvas torrenciais que assolaram o Sul do Brasil neste ano.

À medida que nos preparamos para a safra de grãos 2024/25, o País enfrenta uma nova realidade. O crescimento da produção pode ser limitado pelo aumento significativo de focos de incêndio. Desde abril de 2024, o total de focos de incêndio atingiu 6.695, 61% maior que o registrado no mesmo período do ano passado. Esse cenário alarmante lança uma sombra sobre as esperanças para a safra, já que os incêndios podem devastar grandes áreas de cultivo e atrasar o início do plantio.

O fenômeno climático La Niña, caracterizado pelo resfriamento anômalo das águas do Oceano Pacífico Equatorial, pode agravar ainda mais as condições climáticas no Brasil. A NOAA prevê uma chance de 70% de um novo episódio de La Niña, de intensidade fraca, iniciar entre setembro e novembro de 2024 e durar até março de 2025. Esse período coincide com a estação das chuvas no Brasil, o que pode elevar o custo da energia, pressionando a inflação e limitando o crescimento econômico.

Os efeitos do La Niña são profundos e variados em todo o território brasileiro. No Norte e Nordeste, o fenômeno tende a trazer um aumento no volume de chuvas, impactando até mesmo o semiárido nordestino. As frentes frias devem se tornar mais frequentes, resultando em maiores índices pluviométricos. Por outro lado, a região Sul deve sofrer com longos períodos de estiagem e temperaturas diárias elevadas. Já no Centro-Oeste e Sudeste, o impacto é imprevisível, podendo oscilar entre seca e chuvas intensas com quedas de temperatura em momentos inesperados, como no início do verão.

Nos últimos dois episódios de La Niña, entre 2020 e 2022, os volumes dos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste bateram mínimas ao redor de 17% da capacidade, enquanto os do Norte e Nordeste alcançaram máximas de 99%. Vale ressaltar que os principais reservatórios do País estão nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Graças à grande evolução tecnológica que fez a produtividade da terra triplicar da década de 80 para cá, acredito que o setor agrícola tem condições de enfrentar os desafios e entregar uma boa produção. Já a nossa geração de energia ainda é dependente do regime de chuvas e do volume dos reservatórios, dado que 62% da matriz energética é hidráulica. Pensando no curtíssimo prazo, em 2025, é mais preocupante a inflação climática de energia e a restrição climática ao crescimento econômico, algo bastante desafiador para a condução da política monetária.

Super Quarta: como a inflação climática pode influenciar as decisões de juros no Brasil e EUA

As condições climáticas extremas e seus impactos econômicos não estão apenas pressionando a inflação, mas também criando desafios para a política monetária. No Brasil e nos EUA, a Super Quarta de hoje ganha uma dimensão ainda maior, já que os bancos centrais precisarão levar em consideração esses fatores ao definir o rumo das taxas de juros.

No Brasil, o impacto do fenômeno El Niño já afetou diretamente a produção agrícola, elevando os preços dos alimentos. O aumento da inflação como efeito direto da escassez de oferta de alimentos e a alta nos custos energéticos, decorrente da dependência do país de fontes hidráulicas em um cenário de irregularidade pluviométrica, são preocupações imediatas para o Banco Central nesta decisão da Selic, pois adicionam uma camada de complexidade na luta contra a inflação.

Nos Estados Unidos, as condições climáticas extremas, como os furacões e incêndios florestais, têm pressionado os preços de seguros e habitação, além de impactar o fornecimento de commodities agrícolas. Embora a inflação por lá esteja caindo em direção a meta de 2%, pressões nos preços dos alimentos e de energia podem restringir o tamanho do ciclo de corte de juros iniciado hoje.

Tatiana Pinheiro é economista-chefe da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

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