Habemus reforma tributária?

No início de 2023, avaliei a possibilidade de finalmente termos consenso político para aprovarmos
a reforma tributária. Os indícios eram alvissareiros: era assunto comum entre os legisladores e entre
governadores dos Estados e municípios, assim como, foco do executivo federal. Em dezembro
foi promulgada a Emenda Constitucional 132 que dá as linhas básicas para a tributação de valor
agregado (IVA) sobre consumo. Mas, para sua implementação, precisamos concluir a segunda etapa:
regulamentar as mudanças aprovadas, o que é complexo dado os conflitos de interesses entre setores
e entes federativos na definição das alíquotas e exceções e, principalmente, devido à concorrência pela
atenção legislativa no segundo semestre das eleições municipais e, posteriormente, das eleições para
as presidências da Câmara e do Senado.


A PEC 132 estabeleceu o propósito de, a partir de 2033, os cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins –
estarem unificados em três impostos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o Imposto Seletivo,
do governo federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), dos governos estaduais e municipais.
Estabeleceu também os calendários de transição entre os impostos atuais e os novos: o CBS será
completamente instituído a partir de 2027, ano em que será criado o Imposto Seletivo, enquanto o IBS
será instituído progressivamente até 2033. Além disso, lista algumas exceções, como, por exemplo, a
que determina que os produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM) continuarão recolhendo o IPI e a que
diz que a Cesta Básica Nacional de Alimentos será livre de impostos. Ainda criou o cashback obrigatório
para famílias de baixa renda de parte dos impostos pagos na conta de energia elétrica e botijão de gás.


Afora isso, a PEC 132 abriu possibilidade de isenção para vários outros produtos e serviços, como a
compra de automóveis por taxistas. Abriu ainda a possibilidade de redução de 60% dos novos tributos
para produtos de higiene pessoal e limpeza consumidos por famílias de baixa renda, produções
artísticas, insumos agropecuários e de redução de 30% dos novos tributos para profissionais liberais.
E, por fim, estabeleceu regimes específicos para serviços financeiros, de hotelaria, agências de turismo,
atividades esportivas e combustíveis e lubrificantes.


Mas, quais as alíquotas gerais do CBS e do IBS que mantêm a arrecadação atual; como os atuais
impostos serão substituídos pelos novos; quais serão as exceções e com quais alíquotas? Todas essas
definições acontecem na etapa da regulamentação que será feita via leis complementares, e a lista que
depende de regulamentação é extensa, como vimos nos parágrafos acima.


Dependem de regulamentação: as alíquotas do CBS e IBS após os períodos de transição (os impostos
terão alíquotas-teste durante um certo período), as alíquotas das exceções e as alíquotas dos regimes
especiais, a implementação progressiva do IBS e sua coexistência com o ICMS e ISS até 2033, os
produtos da Cesta Básica de Alimentos, a estrutura do cashback (beneficiários, os produtos e serviços
sujeitos a devolução de tributação, o quanto e como devolver o imposto) e assim por diante.

Não bastasse a complexidade da construção de consenso para cada alíquota que deverá ser definida,
pois os debates serão caso a caso e a definição de alíquota para um grupo de produto ou serviço deve
interferir nos debates das demais alíquotas, e vice-versa.


Tudo isso deve acontecer sem perder de vista o essencial que é: preservar o valor arrecadado atualmente.
O Brasil é um dos países que mais tributa o consumo e a situação fiscal não permite reduzir a carga
tributária.


A carga tributária do consumo de bens e serviços é de 15,1% do PIB no Brasil, enquanto é de 10,8% em
média nos países participantes da OCDE. A alíquota média sobre consumo de bens e serviços é de 20%
nesses países, já no Brasil deverá ficar entre 26% e 28%, segundo o secretário extraordinário da Reforma
Tributária, Bernard Appy. Isto porque as relações de trade-off são claras: quanto mais exceções/regimes
especiais, maior a alíquota geral necessária.


Como fazer todos esses debates com atenções divididas no Congresso? As leis complementares que
definirão todos os detalhes necessários, devem ser enviadas ao Congresso em até 180 dias, de acordo
com o governo. Nesse período, as eleições municipais, que definem parte do mapa eleitoral da eleição
para presidente, governadores e Congresso, ganharão cada vez mais importância no calendário político
e parte relevante do Congresso estará envolvida nas campanhas no segundo semestre.


Após as eleições, outro assunto que deve mobilizar os parlamentares é a renovação das presidências
das casas legislativas, uma vez que ambos os presidentes estão em seu segundo mandato.


É necessário que o governo concentre seus esforços em regulamentar o máximo possível da PEC 132
no primeiro semestre. Do contrário, corremos o risco de aprovar, mas não levar a tão debatida reforma
tributária. Não teremos a fumaça branca.


Tatiana Pinheiro é Economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e
escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

Os artigos publicados no Broadcast expressam as
opiniões e visões de seus autores.

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