União Europeia em ponto de inflexão: integração fiscal, desafios geopolíticos e o futuro do comércio global

União Europeia em ponto de inflexão e enfrenta um ciclo de incertezas. Em conversa com Paschal Donohoe, presidente do Eurogroup e ministro das finanças da Irlanda, temas como o financiamento do aumento dos gastos com defesa sem comprometer a responsabilidade fiscal, o futuro das relações comerciais com os EUA e os próximos passos para a integração financeira do bloco foram os grandes destaques. 

Fiscal e Defesa: O novo equilíbrio europeu

Uma das questões centrais abordadas foi como os países europeus podem conciliar o aumento nos gastos com defesa com a sustentabilidade fiscal. A resposta de Donohoe foi direta. “Os ministros das finanças precisam manter a confiança nas contas públicas, ao mesmo tempo que respondem às exigências de segurança”, disse, evidenciando que a memória das políticas de austeridade pós 2008 ainda está presente, e há o desejo de evitar uma nova década de cortes em investimentos públicos estratégicos.

Questionado sobre se o momento levanta a possibilidade da criação de um novo “Next Generation 2.0*”, Donohoe negou. Para ele, ainda não é o momento de desenvolver uma nova versão do plano de recuperação econômica criado no pós-pandemia.  

“Três pré-condições precisam ser cumpridas para que isso ocorra. Sucesso comprovado do programa atual, conclusão das negociações do novo Quadro Financeiro Plurianual (MFF) e utilização plena dos instrumentos já existentes, como cláusulas de flexibilidade nacionais e linhas de crédito europeias”, explicou.

Sobre as perspectivas de um novo acordo comercial entre União Europeia e Estados Unidos, Donohoe foi pragmático: a expectativa é modesta. O cenário político americano é volátil e o prazo de 90 dias para negociações das tarifas comerciais impostas por Donald Trump é considerado inviável. O caminho mais provável é o de medidas parciais, que possam abrir espaço para uma cooperação mais estruturada no futuro.

Diante disso, cresce o interesse da UE por acordos com América Latina e Ásia. Há uma maior disposição política dos governos europeus para superar resistências internas, como as que travaram a ratificação do CETA**, e avançar com o acordo Mercosul-UE, por exemplo.

“Ministros das Finanças se reuniram em Varsóvia há pouco menos de duas semanas, e o principal tema levantado pela maioria dos países foi que agora precisamos ser mais ambiciosos em relação ao comércio com o restante do mundo e estar dispostos a enfrentar questões de sensibilidade nacional que, no passado, foram difíceis de tratar. O que definitivamente mudou foi o apetite e a disposição para implementar os acordos que já temos e buscar novos acordos que possamos negociar. O entusiasmo para isso nunca foi tão alto e, nos meus oito anos acompanhando essas decisões de perto, nunca vi um nível de comprometimento tão elevado quanto vejo agora”, disse.

Apesar disso, é importante destacar que Donohoe enfatizou uma abordagem gradualista quando o assunto foi a possibilidade de a UE flexibilizar tarifas para evitar conflitos comerciais com os EUA. Tarifações amplas ou medidas de retaliação são consideradas contraproducentes. Instrumentos como o imposto digital ou mecanismos anticorreção só seriam utilizados como último recurso.

Donohoe também reforçou que a política comercial da UE pode e deve ser alinhada com uma agenda de simplificação regulatória interna. “Esse movimento não só aumentaria a competitividade europeia, como também abriria caminho para resolver impasses comerciais com parceiros estratégicos, como os Estados Unidos”, explicou.

Guerra na Ucrânia e o novo ciclo fiscal europeu

O conflito na Ucrânia redefiniu prioridades e trouxe à luz uma preocupação há muito tempo não vista pelos europeus: a defesa. Os gastos com o setor deixaram de ser vistos apenas como despesa, e passaram a ser tratados como investimento estratégico. Alguns países chegaram a elevar impostos ou cancelar feriados nacionais para financiar essa nova demanda. O painel também destacou que qualquer decisão da UE em relação aos ativos russos congelados seria extremamente sensível, sendo cogitada apenas em contextos-limite.

Integração financeira: os obstáculos ainda existem

A integração do mercado de capitais europeu é um dos grandes projetos em andamento. Mas depende de fatores como:

  • Adoção da agenda de securitização proposta pela Comissão Europeia;
  • Reformas nos países para incentivar poupança e investimento doméstico;
  • Avanço concreto do Investment and Savings Union, com reporte direto ao Conselho Europeu – o ISU é um conceito estratégico que está ganhando força dentro da União Europeia como um próximo passo complementar à União de Mercado de Capitais (Capital Markets Union, CMU). Embora ainda não seja uma política formalmente instituída, a ideia do ISU vem sendo discutida por autoridades econômicas da UE como forma de conectar de maneira mais eficiente a poupança europeia aos investimentos produtivos dentro do próprio bloco.

“A estabilidade e previsibilidade da regulação europeia são ativos valiosos, mas precisam ser combinadas com mais agilidade para responder ao cenário global. Com a pressão geopolítica da China, a volatilidade eleitoral nos EUA e o novo ciclo de rearmamento global, a UE deve atuar com prudência, mas sem paralisia. O desafio é preservar a coesão interna sem perder relevância externa”, finalizou.

GLOSSÁRIO

*O plano original era um pacote histórico de 750 bilhões de euros, aprovado pela UE, para a recuperação econômica pós pandemia.**O CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) é um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Canadá, negociado entre 2009 e 2014 e parcialmente em vigor desde setembro de 2017.

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Produzido por Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital 

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