Uma questão de credibilidade

Uma questão de credibilidade surgiu desde que o Banco Central (BCB) interrompeu o ciclo de redução da Selic na decisão de maio, o mercado de juros precifica uma nova rodada de alta, que atualmente está ao redor de 150 pontos-base nos próximos seis meses.

As dúvidas sobre a disposição do governo em reequilibrar as contas públicas, por meio de cortes de gastos, e sobre a atuação da nova diretoria do BCB a partir de 2025 explicam essa expectativa. Esses dois temas estão interligados: uma política fiscal expansionista tende a pressionar a inflação e a elevar o patamar necessário das taxas de juros para garantir a convergência da inflação à meta. Este é um padrão comprovado pela história econômica brasileira e mundial.

É curioso, entretanto, ver os analistas econômicos, em média, esperando a manutenção dos juros em 10,5% até o quarto trimestre de 2025, seguida de um longo ciclo de corte de juros para 9,5% em 2027, segundo a pesquisa Focus.

Para recuperar a credibilidade, os diretores e o presidente do BCB mantiveram o tom firme registrado na ata da última reunião de política monetária, destacando a assimetria dos riscos de alta no cenário inflacionário e a disposição do BCB em adotar as medidas necessárias para garantir a convergência da inflação à meta. Embora isso tenha alimentado as expectativas do mercado, a maioria dos economistas não compartilhou dessa visão. Por quê?

Pelo lado da estratégia de manter o patamar dos juros atuais por mais tempo, temos o argumento de que o grau de aperto monetário continua elevado, independentemente da métrica utilizada – seja a taxa de juro real das NTN-Bs seja o Swap-DI de 1 ano menos a projeção de inflação para os próximos 12 meses. Além disso, são ressaltadas a acomodação da expectativa de inflação para 2025 abaixo de 4,0%, a expectativa por maiores ajustes dos gastos públicos e o impacto do ciclo de corte de juros nos Estados Unidos sobre os preços dos ativos financeiros, principalmente sobre a taxa de câmbio.

Ainda nessa argumentação, outro ponto relevante é que elevar a Selic para 12% resultaria em elevação dos juros reais para 8%, descontando as estimativas de inflação da pesquisa Focus, já no primeiro trimestre de 2025. Isso retornaria a taxa de juros real ao patamar de início da flexibilização monetária em agosto de 2023, o que levanta questões mais profundas, como qual é o patamar da taxa de juros neutra – aquela que não impacta a atividade econômica e a inflação.

Na dúvida, a opção de manter os juros parece mais alinhada à mensagem do BCB sobre a necessidade de um acompanhamento diligente e cauteloso frente às incertezas globais e domésticas.

Pelo lado da estratégia de um ajuste rápido na taxa de juros, os argumentos são: a desancoragem das expectativas de inflação e seu efeito sobre a evolução da inflação corrente – já que os produtores utilizam essas expectativas para definir preços – e a tendência crescente dos gastos públicos, que superam o esforço arrecadatório feito este ano. Além disso, a volatilidade da taxa de câmbio e a potencial pressão dos salários sobre os preços.

Até junho, as despesas federais alcançaram 19,3% do PIB, alta de 1,5 pontos porcentuais em relação a dezembro de 2022, enquanto as receitas avançaram para 17,3% do PIB, com um crescimento de apenas 0,7 pontos porcentuais no mesmo período. Ademais, o pequeno esforço fiscal recente, refletido no contingenciamento de R$ 3,8 bilhões e na meta de déficit de 0,25% do PIB não impressionou, evidenciando uma meta fiscal mais modesta do que a busca por um equilíbrio primário.

Para além do jogo de argumentos, o essencial é saber o que será mais crível na complexa tarefa do Banco Central de alcançar a meta de inflação, minimizando os custos para a atividade econômica: manter ou elevar a Selic. Isso deveria nortear a decisão monetária em setembro. Acredito que a estratégia mais adequada é manter os juros elevados por um período prolongado. No entanto, para que essa abordagem seja eficaz, é crucial que a autoridade monetária ajuste sua comunicação. Caso contrário, será necessário recorrer a um miniciclo de elevação das taxas de juros para evitar uma maior erosão da credibilidade.

Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

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