Muito do que acontece no País, sejam os movimentos nos preços dos ativos ou as decisões sobre os juros, tem sua origem na condução da política fiscal. Acredito que, mais uma vez, iniciamos um ciclo de aperto monetário impulsionado pela necessidade de conter os efeitos do estímulo fiscal sobre a inflação futura. Desde maio, este risco já se manifestava no descolamento das expectativas de inflação de longo prazo em relação à meta de 3%, conforme a Pesquisa Focus. Contudo, isso se torna ainda mais evidente ao estimarmos o impulso fiscal observado nos últimos anos. O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado em julho passado, apontou um impulso fiscal significativo em 2023, associado a maiores benefícios sociais e à extensão de cortes temporários de impostos implementados na pandemia.
Diferente do Bacen, que utiliza a variação do resultado primário como medida de impulso fiscal em seu modelo de demanda agregada, o FMI adota o conceito de saldo primário estrutural, que exclui fatores temporários e o ciclo econômico – em porcentual do PIB. Nesse conceito, o FMI estima que a economia teve 1,5% do PIB de impulso fiscal em 2023. Aplicando a mesma metodologia, minhas estimativas apontam para um impulso próximo de 1,6% do PIB no mesmo ano.
Mais importante, esse impulso foi pró-cíclico, uma vez que a economia já apresentava uma tendência de crescimento, com expansão de 3% em 2022, e reflete a piora do resultado primário de superávit de 0,5% do PIB em 2022 para déficit de 2,4% do PIB em 2023.
Diante da semelhança entre os resultados, acredito que minhas estimativas sobre a evolução do impulso fiscal ao longo do tempo explicam a necessidade de um novo ciclo de alta dos juros. Utilizando a abordagem do Bacen que decompõem a demanda agregada em: inércia do ritmo de crescimento do PIB no trimestre anterior, impulso fiscal e impulso monetário – e assumido incertezas e hiato do crescimento mundial como constantes – estimo que a demanda agregada está bastante pressionada pelo impulso fiscal que se tornou positivo e crescente a partir do quarto trimestre de 2022. Em fevereiro deste ano, ele ultrapassou o patamar observado nos períodos 2012-2013 e 2014-2016.
Essa trajetória pode explicar a resistência da inflação subjacente – os preços mais sensíveis à atividade econômica – acima da meta, além da desaceleração do processo de desinflação. A inflação de 2023 foi de 4,6% e, até meados de setembro, está em 4,1%.
O impulso fiscal positivo tem sido uma constante na história recente do Brasil, bem como seus efeitos sobre o crescimento econômico, a inflação e, consequentemente, a condução da política monetária. O crescimento de 7,5% do PIB em 2010, por exemplo, não ocorreu por acaso: minhas estimativas indicam que o impulso fiscal foi de 2,4% do PIB em 2009. Posteriormente, vivemos um ciclo de alta da Selic entre abril de 2010 e julho de 2011, acompanhado por um impulso fiscal negativo de 0,95% do PIB.
Entre julho de 2012 e dezembro de 2013, o impulso fiscal girou em torno de 0,7% do PIB, e foi acompanhado por impulso monetário positivo, pois a Selic foi reduzida para 7,25% em abril de 2013. Isso resultou em crescimento econômico, mas também em uma inflação persistente ao redor de 6% ao ano. Já entre 2014 e 2016, o impulso fiscal, também de 0,7% do PIB em média, culminou na maior contração econômica da história brasileira, devido ao retorno da Selic a 14,25% e à perda de confiança dos agentes econômicos.
Mais uma vez, as minhas estimativas apontam que a expansão dos gastos públicos via programas assistenciais e demais gastos culminou em 1,7% do PIB de impulso fiscal em fevereiro de 2024. De acordo com o relatório do FMI, essa expansão fiscal, embora tenha estimulado o consumo e apoiado o crescimento econômico, é um fator de risco para a credibilidade das políticas econômicas, porque pode resultar em custos de financiamento mais altos e uma ancoragem mais frágil das expectativas inflacionárias. Exatamente, o quadro que estamos vendo nos últimos meses.
Essa expansão fiscal revela o quão ambicioso será alcançar o equilíbrio entre receitas e despesas neste ano e no próximo. Em minha opinião, também explica o novo ciclo de alta de juros e aponta para o risco deste ciclo ser mais longo do que o esperado. Se o ajuste fiscal não abordar questões como a desvinculação de algumas despesas do crescimento do PIB – o que impossibilita políticas contracíclicas – e a redução dos gastos, esse ciclo poderá se prolongar ainda mais.
Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.
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