O planejamento sucessório internacional tornou-se essencial para famílias brasileiras de alta renda, especialmente aquelas que desejam se mudar para o exterior ou que, mesmo residindo no Brasil, possuem ativos relevantes fora do país.
A globalização do patrimônio impõe desafios jurídicos e fiscais complexos, exigindo uma abordagem estratégica, individualizada e juridicamente consistente para garantir segurança, continuidade e eficiência tributária.
Para ilustrar, imagine uma família com imóveis em Miami, participações societárias em Lisboa e um trust nas Bahamas: ela estará sujeita a pelo menos três ordenamentos jurídicos distintos, cada um com suas próprias regras sobre herança, impostos e validade de testamentos. Nesse contexto, o planejamento sucessório coordenado, multijurisdicional e proativo é indispensável.
Alguns dos destinos mais procurados por famílias brasileiras em seus projetos de internacionalização patrimonial e migratória são Portugal, Inglaterra, EUA e Itália, sem falar em países de tributação favorecida. Cada uma dessas jurisdições possui seus próprios desafios, estratégias e oportunidades.
Entendendo as diferenças
Portugal, por muitos anos o destino preferido dos brasileiros, sobretudo por conta do Regime do Residente Não Habitual (RNH), passou a ser menos vantajoso após a restrição desses benefícios. Ainda assim, o país mantém atrativos como a isenção de imposto sobre herança entre cônjuges e descendentes. Contudo, impõe a legítima obrigatória, o que limita a liberdade testamentária e requer atenção na estruturação sucessória.
A Itália tem se consolidado como um novo polo de atração, tanto por razões culturais e de cidadania quanto por seu regime fiscal especial para novos residentes, que permite a tributação fixa de €200.000 ao ano sobre rendas estrangeiras. Trata-se de uma alternativa estratégica para famílias que buscam eficiência fiscal e integração europeia.
Os Estados Unidos continuam sendo uma escolha frequente, impulsionada pela proximidade e pelas oportunidades de investimento. No entanto, a legislação sucessória americana é rigorosa: o estate tax federal incide sobre espólios de cidadãos e residentes, mas também pode afetar não residentes com ativos situados nos EUA, como imóveis ou ações de empresas americanas. Além disso, há variações significativas de tributação conforme o estado. O uso de estruturas como trusts, LLCs e testamentos adaptados à legislação local é fundamental para evitar impactos fiscais excessivos.
O Reino Unido, historicamente favorecido pelo regime non-dom, perdeu atratividade após a sua extinção em 2025. A nova regra, baseada no tempo de residência, amplia o alcance da tributação sobre ativos globais e impõe um planejamento mais criterioso para estrangeiros com vínculo com o país.
Tanto em Portugal quanto na Itália, ambos regidos pelo direito civil, vigora o princípio da legítima, que reserva parte do patrimônio aos herdeiros necessários. No entanto, o Regulamento Europeu de Sucessões (n.º 650/2012) permite que o testador escolha a lei nacional aplicável à sucessão – uma ferramenta importante para aumentar a flexibilidade na organização patrimonial.
Em contraste, o sistema de common law inglês oferece ampla liberdade testamentária, embora associado a uma elevada carga tributária sobre heranças. Já os residentes fiscais no Brasil que utilizam jurisdições de tributação favorecida, como Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas, ainda encontram oportunidades de planejamento sucessório legítimo e eficiente, desde que observadas as regras de substância econômica e transparência fiscal. Essas jurisdições, em geral, não aplicam impostos sobre sucessão de bens locais, o que pode representar um diferencial estratégico.
Também é fundamental diferenciar os impactos fiscais de heranças e de doações em vida, pois o tratamento tributário varia significativamente entre os países. Além disso, a ausência de tratados de bitributação sucessória entre o Brasil e muitas dessas jurisdições pode resultar em dupla tributação – risco que deve ser mitigado com planejamento estruturado e assessoria especializada.
O papel do family office
Nesse cenário, o papel do family office é central: coordenar estratégias jurídicas, fiscais e contábeis em múltiplas jurisdições, alinhadas aos valores e objetivos da família. Antecipar cenários, harmonizar legislações e desenhar soluções sob medida é o caminho mais seguro para proteger o patrimônio e perpetuar o legado familiar em um mundo cada vez mais global e regulado.
Por Erika Constantino, sócia de Wealth Planning da Galapagos Capital