Robustez da Economia – entre bons e maus motivos

É intrigante a resiliência da atividade econômica no mundo. Após aperto monetário significativo nas
economias emergentes e em uma das principais economias avançadas, os Estados Unidos, era esperado
que o crescimento mundial estivesse menor. Contudo, as projeções do consenso do mercado e do FMI
são semelhantes; estimam crescimento mundial entre 2,7% e 3% em 2023, pequeno arrefecimento em
relação aos 3,5% em 2022.


Também há semelhança nos possíveis motivos para tal robustez nos emergentes e nos avançados,
tanto os positivos quanto os negativos. Os fatores positivos incluem o ganho de produtividade devido
ao maior dinamismo do mercado de trabalho e o consequente aumento do PIB potencial. Já os fatores
negativos envolvem a elevação da renda disponível devido à política fiscal ainda expansionista e o
consequente aumento da taxa de juros real neutra.


A atividade econômica corrente e a perspectiva de crescimento deveriam ser mais pessimistas no atual
cenário, levando em consideração o patamar dos juros reais. Essas taxas, que correspondem à taxa
básica descontada a inflação esperada de 12 meses à frente, estão muito acima das estimativas de juro
neutro.


Mas o quanto dessa robustez é por bons motivos ou por maus motivos?


De acordo com a estatística da razão Formação Bruta de Capital por PIB compilada pelo Banco Mundial,
a expansão da taxa de investimento no mundo não é tão significativa que justifique ganhos expressivos
de produtividade e do PIB potencial. Do pré-pandemia para 2021, esta razão subiu de 26,5% para
27,0%, ou seja, alta de 0,5% do PIB mundial em média, com os países de renda média e alta expandindo
investimentos em ao redor de 1,3% e os países de renda baixa contraindo em 1,9%. Infelizmente, não
temos a atualização dessa estatística para 2022; pode ter ocorrido uma expansão relevante neste último
ano.


Do outro lado, o aumento da dívida pública é uma realidade tanto para os emergentes quanto para os
países avançados. Só notar os sucessivos embates para elevação do teto da dívida nos Estados Unidos
e a recente mudança de primeiro-ministro no Reino Unido motivada por questões fiscais.


Trazendo esta discussão para Brasil, o Bacen revisou a estimativa de hiato do produto para menos
negativo. Muito se falou da resiliência do crescimento do PIB no primeiro semestre deste ano. Porém,
o hiato ainda persiste no campo negativo. Além disso, ele se mantém relativamente estável desde
o quarto trimestre de 2021. Isso indica que a estimativa do Bacen para o PIB potencial aumentou.
Caso contrário, a surpresa positiva no crescimento econômico dos últimos anos teria levado ao seu
fechamento.

No ano passado, neste mesmo espaço, discutimos o ritmo do crescimento, muito por conta das
sucessivas surpresas positivas no PIB desde 2021 – 5% em 2021 e 2,9% em 2022. A conclusão era que, para manter o ritmo corrente, seria necessário que as forças propulsoras naquele momento permanecessem ativas ou fossem substituídas por outras de igual peso. Essas forças propulsoras referem-se à demanda externa para os nossos produtos e à expansão dos gastos públicos via programas sociais.
Pois bem, segundo a pesquisa Focus, o consenso para o crescimento em 2023 subiu de 0,5% no início
de janeiro para 2,9% na segunda quinzena de setembro. Desta vez, os motores foram: o PIB do setor
agropecuário – crescendo 21% no primeiro trimestre e gerando renda para os demais setores da
economia – e a combinação de dinamismo do mercado de trabalho, da queda dos preços de alimentos
e bens industriais e do aumento dos programas de transferência de renda via aumento real do salário
mínimo e expansão do auxílio Bolsa Família ao longo do segundo trimestre.


Em média, o consumo das famílias cresceu 0,8% por trimestre desde 2021, o consumo do governo,
0,6%, enquanto a Formação Bruta de Capital (investimento produtivo), apenas 0,3%. A razão Formação
Bruta de Capital por PIB estava em 18,3% em junho, 3 pontos porcentuais superior ao patamar prépandemia, mas ainda assim abaixo da média de 20% dos países da América Latina.


Também não estão presentes fatores que assumem o protagonismo do crescimento de médio e
longo prazo, e que poderiam responder pela expansão do PIB potencial, como a melhora do sistema
educacional, aumento da taxa de poupança e da qualidade da política pública.


Já as despesas do governo central aumentam 4,5% em termos reais em relação ao mesmo período do
ano anterior. Por outro lado, as receitas líquidas diminuem 5,8% na mesma comparação. Isso indica uma
política fiscal expansionista, ou seja, é necessário aumentar os juros para controlar a economia.
Enfim, é cedo para identificar o ganho na produtividade da economia, apesar do mercado de trabalho
em expansão sem pressão inflacionária.


Os choques dos últimos anos – covid, ruptura da cadeia produtiva mundial, crises climáticas, guerra – impuseram maior volatilidade as variáveis macroeconômicas. Parte da resposta na produção e nos
preços pode ser simplesmente a volta das pressões observadas durante estes choques. Ainda estamos
fora da dinâmica histórica entre aperto monetário, desaceleração econômica e processo desinflacionário.


Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e
escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras

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