Acredito que entender as causas do movimento recente da taxa de câmbio importa para prever a política monetária. E, parece seguro afirmar que a má performance de algumas moedas emergentes está mais relacionada a fatores domésticos do que a influências externas. Especialmente quando o rublo, o rand e o peso chileno se valorizam no mesmo período.
Desde 10 de abril, com a divulgação da inflação de março nos EUA, a perspectiva de juros mais altos por um período prolongado resultou no fortalecimento do dólar frente às demais moedas.
Contudo, de lá para cá, o ganho do dólar, de 0,4% em relação às moedas de países avançados e de 2,9% em relação a uma cesta de países emergentes, parece modesto quando comparados ao enfraquecimento significativo de algumas divisas, como o peso mexicano, que depreciou 11,8%, o peso colombiano, que cedeu 9,5%, e o real, que recuou 7,1%.
Os resultados das eleições no México no início de junho, com o Movimento Regeneração Nacional (MORENA) ganhando mais votos do que o esperado, ampliaram a tendência de depreciação do peso mexicano e podem ter contaminado outras moedas na região, como o real e o peso colombiano. No entanto, acredito que a apreciação do peso chileno e as pequenas depreciações do sol peruano e do peso uruguaio indicam que as histórias domésticas foram os determinantes no desempenho dessas moedas.
Em particular, no Brasil, vejo uma relação intrínseca entre a taxa de câmbio e a dinâmica fiscal. O câmbio rodava ao redor de R$ 4,94 por dólar até março, passou a orbitar em torno de R$ 5,13 entre abril e maio e encontra-se em R$ 5,40 nos últimos dias. As incertezas em relação à política fiscal mudaram de patamar em 15 de abril com a redução das metas de superávits primários em 2025 e 2026 – o real alcançou a R$ 5,26 no dia seguinte a esse anúncio. Depois disso, tivemos o Congresso derrubando vetos presidenciais, mantendo o benefício fiscal sobre a folha de pagamento para 17 setores e adicionando a isso as pequenas prefeituras, sem aceitar as propostas de contrapartida para financiar esta ampliação de gastos.
Além disso, como destacado no artigo “O algoritmo do gasto”, de Lisboa et al, publicado em abril de 2023, torna-se cada vez mais evidente que a retomada da política de reajuste do salário mínimo acima da inflação e a vinculação de receitas a gastos mínimos em saúde e educação não são compatíveis com as metas primárias estabelecidas no Marco Fiscal.
Segundo minhas estimativas, os gastos indexados ou vinculados, 71% do total de despesas, devem crescer a 7,4% ao ano em 2024, acelerando para 8,2% ao ano até 2026, o que vai superar o ritmo de crescimento dos impostos ao longo do tempo. Há também o restante das despesas, os outros 29%, que pelo Marco Fiscal cresceriam a inflação mais 2,5%.
Por fim, além do provável agravamento do descompasso entre despesas e receitas, existem outros desafios ao Marco Fiscal: a pressão que os gastos indexados/vinculados exercem sobre os demais gastos, limitando seu crescimento caso a regra de expansão das despesas (inflação mais 2,5%) seja mantida, e o limite de 95% entre as despesas obrigatórias e as despesas totais.
Afora a recente dinâmica fiscal, a queda da credibilidade do Bacen, devido ao aumento das dúvidas do mercado sobre a condução da política monetária a partir de 2025, é outro fator que deve ser contabilizado como fonte de pressão sobre os preços dos ativos, incluindo a taxa de câmbio.
Por isso, acredito que, se o comportamento da moeda está vinculado às questões fiscais e às futuras mudanças na composição do Copom, a decisão de política monetária desta semana está mais para uma parada do que para uma pausa do ciclo de corte de juros. Porque a eventual retomada dos cortes depende da disposição do governo em desindexar gastos e no compromisso com o centro da meta de inflação. Em tempo, ainda não foi publicado o decreto que regulamenta a meta de inflação em 3% no longo prazo.
Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.
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