Nas últimas semanas, a tensão pré-pacote de gastos aumentou nos mercados e levou o câmbio a bater R$ 5,85 por dólar. O imbróglio é grande, abrangendo a mudança no arcabouço fiscal aprovado em 2023, promessas de campanha, inflação e juros. Há tempos, os mercados têm se mostrado preocupados com o equilíbrio das contas públicas e a viabilidade de manutenção do novo arcabouço fiscal. Essas preocupações se intensificaram com anúncios de política parafiscais como pagamento do Vale-Gás fora do orçamento. Resultado, o gasto com Vale-Gás continua dentro do orçamento, mas deixou uma sombra de desconfiança.
Além das desconfianças, o orçamento enfrenta desafios concretos. Caso o ritmo de crescimento das despesas vinculadas às receitas ou ao crescimento econômico seja mantido, será necessário um corte de 1% do PIB de despesas discricionárias em 2026, o que é inviável, pois significaria uma redução em investimentos e gastos administrativos em um ano eleitoral. Tampouco alterar as regras do arcabouço fiscal parece viável, visto que tal decisão provavelmente causaria reações adversas nos preços dos principais ativos, como taxa de câmbio e curva de juros.
De acordo com minhas estimativas, mantida a situação atual, as despesas vinculadas devem crescer ao ritmo de 8,75%, superando a regra do arcabouço para despesas primárias, que é de inflação mais 2,5%, mesmo que a inflação fique entre 4,5% e 5%, acima do teto do intervalo da meta. Para garantir que a despesa total caiba dentro da regra do teto de gastos, será necessário o achatamento das demais despesas (custeio da máquina), que teriam que crescer ao ritmo de 0,7%, bastante abaixo da inflação, em 2025 e 2026.
Com fim da regra do teto de gastos, a aprovação do arcabouço fiscal trouxe de volta o piso de gastos para saúde e educação vinculados à receita corrente líquida e a receita líquida de impostos, respectivamente. Fora isso, também criou outras vinculações: gastos com investimentos devem ser 0,6% do PIB e emendas obrigatórias – de execução impositiva no orçamento – devem ser 3% da receita líquida.
Com relação aos gastos com educação e saúde, acredito que a intenção do governo sempre foi assegurar aumento acima da inflação – algo que não estava garantido pela regra do teto de gastos – mas de forma mais previsível que a vinculação à receita. Mas, como mudar a narrativa? Nada fácil, tanto que mudanças nas vinculações não foram discutidas até agora.
Entre novas e antigas vinculações, algumas delas com apelo social forte, outras nem tanto, essas despesas ganharam outra dimensão após um ano de recorde de arrecadação e surpresa de crescimento econômico. Todas elas pressionando o arcabouço fiscal, impulsionando os gastos e, consequentemente, a expectativa de inflação e os juros. Todas elas criando um impasse de objetivos: manter o arcabouço fiscal, manter a expansão em gastos sociais de destaque como saúde e educação, estabilizar a dinâmica da dívida e impulsionar crescimento, tudo isso com inflação convergindo para a meta e juros baixos.
Saídas alternativas são debatidas, mas não menos geradoras de impasse, como aumentar a participação do Fundeb no piso de gasto com educação de 30% para 50%, mudar as regras de concessão do abono salarial e do seguro-desemprego. O impasse segue presente: manter o arcabouço fiscal, manter a expansão em gastos sociais que resguardem o trabalhador, estabilizar a dinâmica da dívida e impulsionar crescimento, tudo isso com inflação convergindo para a meta e juros baixos. E, neste caso, as mudanças podem gerar economia de R$ 30 bilhões entre 2025 e 2026, dando sobrevida ao arcabouço fiscal, controlando temporariamente a expansão de gastos, mas seria questão de tempo para essa economia de gastos ser consumida pela expansão das despesas vinculadas e das obrigatórias.
Entre soluções temporárias e permanentes, o Brasil se depara com o mesmo impasse: não há decisões fáceis ou baratas. Equilibrar responsabilidade fiscal com crescimento e justiça social exige escolhas cuidadosas e realistas.
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