No segundo dia do Fórum Esfera 2025, as discussões ganharam profundidade com temas centrais que tocaram diretamente as engrenagens da economia, da sustentabilidade e da inovação no Brasil. O ponto de partida veio com uma fala contundente do presidente da Câmara, Hugo Motta, que estabeleceu o tom do dia: responsabilidade fiscal, reforma do Estado e coragem para romper com velhos paradigmas.
A partir disso, os painéis avançaram sobre pilares como sustentabilidade como motor de competitividade, inovação como eixo estratégico e os desafios da nova economia. Abaixo, confira os os principais destaques.
“É da nossa conta”: a urgência de encarar o inadiável nas contas públicas
Na abertura de um dos momentos mais contundentes do Fórum Esfera, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, lançou um chamado direto à elite política e empresarial presente: encarar com coragem os entraves estruturais do Brasil e reformar, de forma definitiva, o Estado.
Com apenas 35 anos, Motta usou a vitalidade como combustível de um discurso que transitou entre firmeza técnica e apelo emocional. A mensagem foi clara: ou o país rompe com a lógica do improviso e da procrastinação, ou continuará sufocado por um Estado ineficiente, disfuncional e caro.
“Não há justiça social com irresponsabilidade fiscal. Não há crescimento com improviso. E não há futuro possível para um país que insiste em empurrar a conta adiante esperando que ela se resolva por mágica ou discurso.”
Ele destacou sete prioridades para destravar o Brasil:
1. Consolidar o novo marco fiscal: “Não se controla a inflação com promessas.” A mensagem é objetiva: conter o crescimento desordenado das despesas que fogem do orçamento.
2. Aprovar a reforma administrativa: “O Brasil não pode ser refém de um Estado lento. Precisamos premiar desempenho no serviço público.”
3. Regulamentar a reforma tributária com foco em simplificação: “Hoje cobramos mais de quem produz e menos de quem atrasa. Isso precisa mudar.”
4. Reconhecer os novos modelos de trabalho: “Negar o trabalho por aplicativo é negar o futuro.”
5. Modernizar a segurança pública com tecnologia e dados: “Fronteiras porosas e ausência de inteligência não protegem o país.”
6. Rever isenções fiscais ineficientes: “Isenção sem propósito é privilégio. Gasto obrigatório sem revisão é armadilha.”
7. Executar o novo marco de garantias: “A lei já foi aprovada, agora cabe aos governadores regulamentar.”
Além disso, Motta não mediu palavras para descrever o momento vivido pelo país: “Estamos em uma encruzilhada. Esse é um dos raros momentos em que o país precisa escolher entre adiar o inevitável ou enfrentar o inadiável.”
Para ele, a máquina pública tornou-se uma “grande costureira de crises”: “A cada crise, um novo remendo. Mas o fio está acabando. E se nada for feito, essa costureira morre e leva o país junto.”
A proposta de reforma administrativa, que será apresentada nas próximas semanas, é tratada como a medida mais urgente e simbólica de que o Brasil precisa: “Não é uma reforma contra o servidor público. É a favor do Brasil. O Estado precisa andar na velocidade da sociedade.”
Entre as metas, estão:
– Instituir meritocracia.
– Adotar ferramentas tecnológicas do setor privado.
– Reduzir custos e aumentar a qualidade do serviço público.
“É hora de abandonar a lógica da acomodação e abraçar a lógica da transformação.”
Em tom de mobilização, Hugo Motta apelou à plateia: “Se vocês não estiverem com ele [comigo], nada muda. Tudo que se tenta reformar, bate em um gueto ou em um corporativismo. Essa conta é de todos nós.”
O movimento “É da Nossa Conta” foi lançado com o intuito de criar engajamento cívico para o equilíbrio das contas públicas. “Porque quem não controla suas contas, perde o direito de escolher os seus sonhos.”
Sustentabilidade como Vantagem Competitiva: o Brasil no centro da nova geopolítica da energia
O painel Sustentabilidade como Vantagem Competitiva trouxe falas de impacto que evidenciam o dilema e a oportunidade diante do país. Na abertura, um vídeo exibido pelo Fórum Esfera, destacou que: “A gente não enfrenta uma crise de diagnóstico. A gente enfrenta uma crise de decisão.”
Para Gustavo Pimenta, CEO da Vale, o mundo vive uma virada de chave: “Minerais críticos vão ter a mesma importância que o petróleo teve nos últimos 100 anos.” Ele acredita que o Brasil pode liderar esse novo cenário, desde que entenda o peso geopolítico desses insumos na transição energética.
“Nós temos a tabela periódica embaixo da terra. É hora de transformar isso em poder estratégico.” Mas alertou: guerras tarifárias e instabilidades internacionais impactam diretamente os preços das commodities. “Mesmo sem vender para os EUA, sentimos os efeitos. Commodities andam com o PIB global.”
Cristiano Pinto da Costa, presidente da Shell, reforçou que o debate não deve ser sobre “óleo ou renováveis”, mas sobre a coexistência estratégica. “O Brasil não pode cair na falácia europeia de que é um ou outro. O mundo vai precisar de todas as fontes de energia — e cada vez mais.”
Ele apontou três motores do aumento da demanda energética: crescimento populacional, equidade entre hemisférios e a explosão da inteligência artificial. “A IA já é um vetor de aumento brutal no consumo de energia.”
O ministro Luiz Felipe Salomão trouxe a lente do Judiciário para o debate e foi direto: “O tempo da Justiça não é o tempo da política nem do mercado. Mas, no Brasil, se o Judiciário não for acionado, nada anda.”
Ele lembrou que o STF já foi instado a determinar a aplicação de políticas públicas de renda mínima e assistência aos moradores de rua — questões que se conectam diretamente à pauta climática e energética. “Falar de transição energética sem falar de pobreza é um erro estratégico.”
Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, foi a voz da transformação concreta. Destacou que o estado já exporta energia e tem projetos robustos com Shell, Maersk e European Energy. “O Nordeste virou protagonista. Temos sol, vento e estratégia. E queremos agregar valor, não só produzir energia bruta.”
Ela reforçou a urgência de conectar essa agenda à vida das pessoas: “Transição energética precisa fazer sentido para quem vive da devastação, da agricultura familiar, da lenha na caldeira.” E completou: “Estamos falando de uma mudança geracional, não eleitoral. O mundo olha para o Brasil como parte da solução.”
A mineração legal, como lembrou Pimenta, pode ser uma aliada da preservação: “Em Carajás, exploramos 2% e preservamos 98%. Está de pé há 40 anos porque teve racionalidade econômica.”
O ponto é claro: o Brasil não pode desperdiçar sua oportunidade histórica de ser protagonista global na transição energética. Mas, para isso, será preciso enfrentar a desigualdade com políticas públicas eficazes, melhorar a governança ambiental e abandonar a polarização que paralisa o debate.
“Ou o Brasil age com estratégia agora, ou perde a chance de ser o que o mundo precisa que ele seja.”
Inovação a serviço do Brasil: quando o futuro exige urgência e estratégia
Em um país que ocupa a 50ª posição no ranking global de inovação entre 133 nações, o painel trouxe um convite direto à ação: como destravar o potencial inovador do país e tirar o freio de mão da economia nacional?
Mediado pela jornalista Adriana Araújo e patrocinado por Qualcomm e BYD, o debate reuniu nomes de peso como João Campos (prefeito do Recife), Fred Trajano (CEO do Magazine Luiza), Luiz Tonisi (presidente da Qualcomm LATAM), Alexandre Baldy (VP da BYD Brasil) e Ana Estela Haddad (secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde).
João Campos deu o tom ao destacar que inovação no setor público exige mudança de cultura e foco absoluto no cidadão: “ A gente precisa focar e colocar o cidadão no centro, acima do interesse de um mandato ou partido.”
Exemplo disso foi a vacinação digital em Recife durante a pandemia. “Transformamos o governo de três cliques em governo de zero clique. Se eu sei que a criança fez 3 anos, mando um WhatsApp com as vacinas e a data para comparecimento”, explicou.
Ana Estela Haddad trouxe o ponto de vista federal: “Estamos construindo um data lake da saúde com três interfaces, sendo a principal delas o aplicativo Meu SUS Digital.”
A ambição é clara: permitir que cada cidadão carregue seus dados de saúde na palma da mão — vacinas, exames, atendimentos — com interoperabilidade nacional e até internacional, via o padrão da OMS.
Mas o desafio é gigantesco: “O Brasil tem mais de 400 sistemas de informação só no SUS. Precisamos transformar esse ecossistema em algo integrado e inteligente”, afirmou.
Tonisi, da Qualcomm, foi direto ao ponto: “O Brasil é um país que compra tecnologia, mas não cria. A gente exporta frutas e importa software.”
Ele também destacou que países que lideram em inovação têm três pilares: gente qualificada, capital e liberdade regulatória. “China e Índia formam centenas de milhares de engenheiros por ano. O Brasil, cerca de 30 a 40 mil.”
Fred Trajano provocou: “O Brasil precisa de uma política nacional de dados. Hoje, estamos doando nossos dados e comprando a inteligência de volta.” Segundo ele, o país vive um novo colonialismo digital: “Antes exportávamos pau-brasil e comprávamos móveis. Hoje, damos dados e compramos modelos sofisticados de IA.”
Tonisi completou: “O dado não pertence ao país, pertence à pessoa. E o excesso de regulação pode matar a inovação antes dela nascer.”
João Campos trouxe um case estruturante: o maior programa de formação superior pública em tecnologia do Brasil. Em parceria com empresas como a Accenture, o Recife oferece ensino superior gratuito para jovens de escola pública com aulas dentro das empresas, garantindo empregabilidade.
“65% saem empregados, e duplicam a renda familiar. Isso é inovação com impacto social.” E foi além: “Não adianta alfabetizar só em português e matemática. A alfabetização digital tem que estar dentro da escola pública.”
Baldy reforçou que marcos regulatórios sólidos são pré-condição para atrair investimento: “O que trava o Brasil não é o servidor público, são os governos de passagem que desmontam projetos antes que virem política de Estado.”
Ana Estela também defendeu maior integração: “A gente deveria marcar menos essa divisão público-privado. A inovação depende dessa sinergia com a academia, com as empresas, com a sociedade civil.”
No encerramento, os painelistas foram provocados a resumir em uma palavra a direção para o futuro da inovação no Brasil:
– Educação, disse Tonisi.
– Planejamento, resumiu Baldy.
– Estratégia, destacou Trajano.
– Formação, desburocratização e investimento rigoroso em inovação, sintetizou João Campos.
Nova Economia e Sustentabilidade Fiscal: O Brasil entre o consenso e a urgência
O painel com Gabriel Galípolo (Banco Central), André Esteves (BTG Pactual), Isaac Sidney (Febraban), Milton Maluhy (Itaú) e Wesley Batista (J&F) foi uma aula sobre o impasse fiscal brasileiro e a necessidade urgente de ação estruturante. Não houve meias palavras. A mensagem foi clara: o tempo da ilusão acabou.
“Se não for por bem, será por mal.” — Isaac Sidney, Febraban
Para Galípolo, o Brasil está diante de uma oportunidade única: sinalizar responsabilidade fiscal em um momento em que o mundo inteiro sofre com o desbalanceamento entre oferta e demanda por dívida pública. “Se o Brasil der o sinal certo agora, ele se destaca muito positivamente para investidores globais.”
Mas o mercado ainda não vê esse sinal. O fiscal continua sendo o maior fator de incerteza para os juros e para a atratividade do Brasil a longo prazo. “Estamos dirigindo com um pé no freio (política monetária) e outro no acelerador (política fiscal). Nenhum carro anda assim.”, disse André Esteves.
Milton Maluhy foi direto: a política de gastos crescentes, sem contrapartida estrutural, é insustentável. O setor financeiro prefere um cenário de juros mais baixos e estabilidade de longo prazo.
Wesley Batista destacou o otimismo do setor produtivo, mesmo em meio ao impasse. Mas foi categórico: o tempo do ajuste via aumento de receita acabou. “Ajuste fiscal por receita não tem mais espaço. Agora é pelo gasto.”
O IOF foi citado como exemplo do esgotamento do modelo: usar imposto regulatório como arrecadação é um erro técnico e político. “A sociedade reagiu. O IOF mostrou que o modelo de ajuste via receita colapsou.”, disse Isaac Sidney.
André Esteves ressaltou a maturidade institucional do Brasil nos últimos anos, mas com um alerta: a janela de oportunidade é curta. “A democracia precisa de urgência. A URNA vai cobrar responsabilidade.”
Apesar da divergência de estilo, todos os participantes reconheceram que há um consenso técnico. O que falta é ação política coordenada. “Temos que sair dessa armadilha. Chegou a hora de enfrentar o estrutural”, completa Wesley Batista.
Wesley Batista, representando o setor produtivo, foi além ao destacar que a renúncia fiscal no Brasil ultrapassa os R$ 800 bilhões, muitas vezes sem gerar o benefício esperado. Segundo ele, “é preciso encarar essa realidade com pragmatismo e coragem”. “Muitas renúncias não trouxeram a geração de emprego esperada. A ideia era boa, mas não funcionou. Precisamos de uma transição justa, mas que aconteça de fato. Está muito alto.”
Ele também destacou que há regiões do país, sobretudo no interior, em que há pleno emprego e escassez de mão de obra. “Precisamos rever o tamanho de certos programas sociais. O Brasil precisa apoiar quem precisa, mas é hora de reavaliar.”
O diagnóstico é claro: o modelo atual esgotou. “Ajuste fiscal via receita acabou. É hora de cortar gasto, rever renúncias e avançar na reforma administrativa.”
O painel termina com um chamado ao pragmatismo institucional.
“Sem uma dose exagerada de pragmatismo, não vamos sair do lugar.”, comenta Isaac Sidney.
Justiça, Democracia e o Novo Tempo Brasileiro
O encerramento do Fórum Esfera 2025 coube ao ministro Luís Roberto Barroso — e foi menos um discurso e mais uma aula aberta sobre o Brasil, o mundo e o papel das instituições em um tempo de transformação acelerada. Com sua marca intelectual, Barroso costurou os grandes eixos que atravessaram o evento: a revolução tecnológica, a crise da democracia representativa, os desafios da governança e o futuro do Estado.
“Vivemos a substituição do mundo analógico pelo digital. A economia agora é imaterial: é conhecimento.”
Com essa leitura global, o ministro abriu seu raciocínio, destacando a virtualização da vida e a ascensão de empresas baseadas em ativos intangíveis. Para ele, essa nova economia impõe uma mudança profunda no modo de pensar políticas públicas, justiça e inclusão. “O mundo vive uma fadiga da democracia.”
Barroso reconhece que há uma erosão da confiança nas instituições tradicionais, mas recusa o cinismo. Defende uma democracia que funcione — que entregue justiça social, crescimento sustentável e integridade. “As pessoas querem liberdade, mas querem também que seus filhos tenham acesso à educação de qualidade, saúde pública que funcione, oportunidades reais.”
Sobre o Supremo Tribunal Federal, foi direto: “Somos a última trincheira da institucionalidade.” Mas não deixou de fazer autocrítica. Admitiu que o STF precisa se comunicar melhor, falar menos juridiquês e ouvir mais. Ao mesmo tempo, ressaltou que, em tempos difíceis, é fundamental preservar o papel do Judiciário como guardião da Constituição.
Diante da crescente polarização, Barroso destacou com clareza: “A crítica é livre, é importante, mas criticar as instituições é completamente diferente de querer destruí-las.”
Ele complementou:
“A democracia tem lugar pra liberal, tem lugar pra progressista, tem lugar pra conservador, tem lugar pra todo mundo. […] Portanto, a capacidade da gente colocar as ideias na mesa sem ter que desqualificar moralmente quem pensa diferente é algo que nós precisamos recuperar. […] É menos sobre ideologia e mais sobre civilidade.”
Foi um fechamento à altura de um fórum que pretende não apenas debater o Brasil, mas participar ativamente da sua reconstrução.