Cada dia com a sua agonia. Há pouco mais de um ano vivíamos um processo inflacionário, com o
IPCA alcançando 12,2% no acumulado de 12 meses até maio de 2022, seguido das incertezas eleitorais
do segundo semestre. Iniciamos este ano com trabalho a ser feito para debelar a inflação, passamos
também por incertezas com relação à meta de inflação e aos rumos da política monetária. Daí, o
Conselho Monetário Nacional estendeu ao longo prazo a meta de inflação em 3%, dando novo fôlego
à queda das expectativas. A inflação acumula 3,19% em 12 meses até junho, os consensos para 2024,
2025 e 2026 estão abaixo de 4% e o Copom cortou a Selic em 50pb, o que efetivamente produz
queda do grau de aperto monetário. Agora iniciado o ciclo de corte de juros e definido o ritmo, vem a
pergunta: qual o tamanho do ciclo? Minha avaliação: depende da agenda fiscal.
Acredito que a autoridade monetária almeja reduzir a atual taxa real em 6,9% para o nível neutro de
4,5% até o segundo semestre de 2024. Para isso o estreitamento da diferença entre as expectativas de
inflação e a meta reforçou e reforçará ainda mais a confiança do Bacen na condução do ciclo de corte
de juros. Mas, na minha opinião, a evolução da aprovação do arcabouço fiscal, da LDO (Lei de Diretrizes
Orçamentárias) e do orçamento, ou seja, a agenda fiscal determinará o tamanho desse ciclo.
Não à toa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a necessidade de dar andamento às
reformas econômicas e o desafio fiscal para o próximo ano nos seus comentários após o anúncio da
decisão monetária.
Arcabouço, seja fiscal ou de meta de inflação, têm como pilar principal a credibilidade. Três propriedades
são cruciais para a eficácia de uma regra: ser simples, ser flexível e ter credibilidade de execução. Por
isso, a preocupação do ministro com o desafio fiscal do próximo ano. O imbróglio fiscal já começa
com a relação intrínseca entre o marco fiscal e a LDO de 2024 e o resultado disso para a confiança na
capacidade do novo arcabouço de reconduzir as contas públicas ao equilíbrio. Considerando que o
cumprimento da meta primária no primeiro ano de sua implementação é decisivo para a credibilidade
deste novo instrumento e, consequentemente, para o tamanho do corte de juros.
De um lado, a LDO definirá as metas de resultado primário para o governo central (União, INSS e
Bacen) nos próximos anos, como também as diretrizes do orçamento de 2024. Do outro lado, o marco
fiscal estipulará como os gastos serão manejados para alcançar a meta primária, impondo restrição às
despesas em caso do descumprimento. As expectativas consideradas na estimação da arrecadação e
das despesas podem facilitar ou dificultar o alcance da meta. Por exemplo, projeções muito otimistas
para crescimento econômico e para o comportamento da inflação, assim como, a subestimação dos
gastos obrigatórios ou a superestimação de medidas para aumentar a arrecadação, podem dificultar
o alcance da meta a ponto de tornar os dispositivos de restrições de gastos do marco fiscal ineficazes.
A LDO enviada ao Congresso conta com metas de equilíbrio primário em 2024 (0% do PIB), superávits
de 0,5% do PIB em 2025 e de 1,0% do PIB em 2026, com intervalo de flutuação de +/- 0,25%. De
acordo com a revisão do terceiro bimestre das contas do governo central, este ano o resultado primário
será deficitário em R$ 145 bilhões. Isto indica que será necessário um esforço fiscal relevante para
obter resultado primário zerado no próximo ano, considerando que as despesas são majoritariamente
obrigatórias – sem espaço para corte – e as mudanças de impostos e isenções dependem de aprovação
no Congresso, sendo que algumas delas só são válidas no ano seguinte a sua aprovação – é o caso da
tributação de dividendos e dos fundos exclusivos.
Analisando as diretrizes orçamentárias para 2024, chama a atenção a expectativa para despesas:
aumento de R$ 95 bilhões em relação a 2023. Este valor é baixo se considerarmos que os gastos
foram aumentados em R$ 145 bilhões este ano entre Bolsa Família, saúde, educação e investimentos
em infraestrutura – gastos permanentes e obrigatórios, isto é, que estarão presentes todos os anos
ajustados à inflação. Isso, sem contar no custo da ampliação da faixa de isenção do IR para pessoas
que recebem até dois salários mínimos mensais e na volta dos mínimos constitucionais de gastos com
saúde e educação em 2024.
Estimo que as despesas devem crescer ao redor de R$ 210 bilhões (versus os R$ 95 bilhões que constam
na LDO). Já a receita líquida na LDO com crescimento de R$ 240 bilhões parece mais factível. Parte deste
valor será devido ao crescimento econômico e a outra parte será por aumento de arrecadação. Temos
de reconhecer que muitas medidas já foram implementadas este ano – estimo uma recomposição de
arrecadação de R$ 93 bilhões para 2024 entre reoneração do PIS/Cofins sobre combustíveis, tributação
de apostas eletrônicas, redução dos créditos de ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS, entre outros.
Com as minhas estimativas, o resultado primário seria deficitário em R$ 115 bilhões, muito distante da
meta de equilíbrio.
Para a conta fechar e conquistar a credibilidade fiscal, é preciso refazer os cálculos, principalmente do
lado das despesas. Agora, é a condução da política fiscal que requer parcimônia e cautela. Só assim será
possível que a Selic saia do campo contracionista e vem para a neutralidade (juro real de 4,5% mais a
meta de inflação de 3%).
Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e
escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras