Dia 4: O preço da política – juros, tarifas e o novo equilíbrio da economia global

O quarto dia das Reuniões Anuais do FMI foi dominado por um tema central: o peso crescente da política nas decisões econômicas. Entre juros, tarifas e tensões institucionais, o consenso foi de que a economia global vive um momento de ajuste complexo, em que estabilidade depende de credibilidade, e credibilidade depende de autonomia.

Os quatro debates do dia — sobre política monetária global, tarifas e comércio internacional, perspectivas para a economia dos EUA e mensagens do Banco Central do Brasil — ofereceram um retrato articulado de como as grandes economias tentam equilibrar pressões políticas internas e fundamentos macroeconômicos, num ambiente em que o ruído político volta a interferir nas decisões técnicas.


Política monetária global: o dilema entre autonomia e pressão política

O painel “Desafios da Política Monetária” reuniu nomes de peso do Banco da Inglaterra, BCE, Fed e Bundesbank, num debate que evidenciou o novo equilíbrio entre prudência monetária e interferência política.

A avaliação comum é que o risco de desancoragem das expectativas inflacionárias segue real, e que os bancos centrais devem manter postura restritiva e vigilante até que a convergência à meta seja sustentada.
Para Catherine Mann (BoE), a inflação no Reino Unido segue impulsionada por fatores domésticos, como salários e serviços, e exige juros ainda elevados. Martin de Koch (BCE) destacou que a Europa opera perto da meta de inflação, mas enfrenta o desafio de calibrar a política “sem excesso de zelo”, enquanto Jim Bullard (ex-Fed) argumentou que tarifas e choques externos elevam preços de forma pontual, não estrutural, devendo ser “olhados através” pela política monetária.

O debate mais denso girou em torno do conceito de “independência vs. autonomia”. Axel Weber (ex-Bundesbank) e Bullard defenderam o termo autonomia de instrumentos — que mantém espaço técnico para decisões de política sem romper o vínculo democrático com governos eleitos.

“A credibilidade do Fed é um bem público global, se ela for abalada, todas as moedas sofrem.”


Tarifas e comércio global: o retorno do protecionismo estrutural

No painel “Navegando nas implicações das tarifas para a economia global”, economistas de instituições como o World Bank e o Council on Foreign Relations analisaram a nova arquitetura do comércio internacional.

A conclusão é clara: as tarifas americanas deixaram de ser uma política temporária e se tornaram estruturais, marcando uma reversão duradoura da globalização.
A estratégia da atual administração — ampliar tarifas de 10% a 15% para estimular produção doméstica — busca transformar os EUA de uma economia de consumo em uma de produção. Mas, como destacaram Brad Setser e Tristan Reed, o efeito líquido é ambíguo:

“As tarifas arrecadam receita e rendem capital político, mas falham em reindustrializar.”

O painel também destacou que México e Vietnã emergem como vencedores colaterais, absorvendo parte da produção redirecionada da China, enquanto o sistema multilateral de comércio segue enfraquecido.
A decisão da Suprema Corte americana sobre o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), prevista para 2026, pode redefinir os limites legais do poder tarifário presidencial. Mesmo que o IEEPA seja invalidado, especialistas acreditam que o governo encontrará alternativas jurídicas para manter o regime tarifário, consolidando uma nova era de protecionismo institucionalizado.


Economia dos EUA: crescimento em desaceleração e risco de estagflação

O painel “Perspectiva para a Economia dos EUA” trouxe um tom mais cauteloso.
Economistas do UBS, Brookings e do Tesouro americano convergiram em torno de um cenário de desaceleração combinada a inflação persistente, configurando um possível quadro de stagflation risk.

Após crescimento robusto no terceiro trimestre, a projeção para o quarto é de desaceleração acentuada, enquanto a inflação tende a se manter acima de 3% pelos próximos 12 meses.
O consumo ainda resiste, sustentado por estímulos fiscais temporários — devoluções tributárias e créditos que somam cerca de 0,6 p.p. do PIB —, mas à custa de endividamento crescente e déficits acima de 5% do PIB.

O Fed, segundo os painelistas, deve manter juros altos por mais tempo, mesmo com desaceleração, para evitar reacender expectativas inflacionárias.
O tema político também entrou na pauta: o sucessor de Jerome Powell, previsto para 2026, enfrentará pressões para reduzir juros em ano eleitoral, testando os limites da autonomia institucional do Federal Reserve.


Brasil: o BC em “parada prolongada”, com foco em credibilidade

Encerrando o dia, o painel “Mensagens do Diretor de Política Monetária, Nilton David (BCB)” apresentou um tom firme e pragmático.
O Banco Central do Brasil vê uma economia ainda aquecida, inflação em queda gradual e política monetária firmemente restritiva. A decisão de interromper o ciclo de alta em junho foi classificada como “ousada, mas necessária”, abrindo uma fase de observação dos efeitos defasados da política.

Nilton reforçou três princípios que guiam o BC neste momento:
firmeza, serenidade e paciência — manter os juros altos até a convergência da inflação à meta, evitar reações a ruídos de curto prazo e observar com calma a transmissão dos juros sobre a atividade.
A mensagem foi direta: sem desinflação consistente, não haverá cortes, e o Banco Central está disposto a prolongar a pausa ou até apertar mais, se necessário, para garantir o cumprimento do mandato legal de estabilidade de preços.


Síntese do dia

O quarto dia das Reuniões Anuais do FMI 2025 revelou uma economia global em busca de equilíbrio entre autonomia técnica e pressão política.

Enquanto bancos centrais defendem credibilidade, governos recorrem a tarifas e estímulos fiscais para responder a eleitores, e esse choque de agendas redefine o papel das instituições econômicas no mundo.

Num cenário em que política e economia voltam a se sobrepor, o desafio é preservar disciplina, previsibilidade e confiança — pilares da estabilidade global.

DISCLAIMER

A presente Nota Macroeconômica (“Nota”) foi elaborada pelo economista-chefe da Galapagos Capital Investimentos e Participações (“Galapagos”) e não se configura como um relatório de análise para fins de Resolução CVM nº 20, de 25 de fevereiro de 2021. Neste sentido, a Galapagos destaca que a Nota reflete única e exclusivamente as opiniões do economista-chefe em relação ao conteúdo apresentado. 

Por último, a Galapagos e/ou qualquer outra empresa de seu grupo econômico não se responsabiliza por qualquer decisão do investidor que forem tomados com base nas informações aqui divulgadas, nem por ato praticado por profissionais por ele consultados e tampouco pela publicação acidental de informações incorretas. A Galapagos informa que potenciais investidores devem buscar aconselhamento financeiro profissional sobre a adequação do investimento em valores mobiliários ou outros investimentos e estratégias discutidas

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A Galapagos não se obriga em publicar qualquer revisão ou atualizar referidas projeções e estimativas frente a eventos ou circunstâncias que venham a ocorrer após a data deste documento. Ademais, ao acessar o presente material, o interessado compreende dos riscos relativos ao cenário macroeconômico abordado nesta Nota. 

Produzido por Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital

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