Graças ao segundo trimestre com inflação mais alinhada com a meta e dados de mercado de trabalho registrando arrefecimento, o mercado de títulos públicos dos Estados Unidos voltou a precificar quase três cortes de juros para este ano. Esta expectativa pode ter implicações significativas para a política monetária de outros países, incluindo o Brasil. Isto porque as decisões do Federal Reserves (Fed) influenciam diretamente as condições financeiras globais, afetando fluxos de capital e taxas de câmbio que, por sua vez, podem proporcionar desinflação via queda dos preços de produtos comercializáveis externamente (os tradables) e abrir espaço para ajuste dos juros.
Geralmente, a perspectiva de queda de juros nos EUA resulta em cenário de maior liquidez internacional, onde o fluxo de capital busca ativos de maior rentabilidade. Taxas de juros mais baixas nos EUA levam os investidores a buscarem retornos maiores em mercados emergentes com demasiada complacência em relação às condições econômicas desses países.
Contudo, no caso atual, ainda que a perspectiva de curto prazo tenha melhorado com a antecipação do corte de juros pelo Fed, as expectativas com relação ao tamanho do ciclo não mudaram. O mercado segue precificando a taxa terminal ao redor de 3,6% no final deste ciclo, patamar mais elevado dos últimos 15 anos. O cenário de médio prazo permanece sendo de menor liquidez, ou seja, o fluxo de capital mais criterioso ou menos complacente com as histórias ruins de condução de política econômica.
Uma prova de que o capital está menos benevolente com as histórias econômicas domésticas é o maior enfraquecimento do dólar frente às moedas das economias avançadas do que frente à cesta de moedas emergentes, na primeira quinzena de julho em comparação a junho. E, se compararmos julho com o final de março, o dólar perde para as moedas das economias avançadas, mas continua ganhando da cesta de moedas emergentes.
Assim, o alívio sentido nos EUA não é sentido no Brasil. O real rodando ao redor de 5,5 por dólar não reflete uma melhora de perspectiva econômica. Muito provavelmente os vários desafios à nossa frente explicam o comportamento menos expressivo do real. São eles: os desafios fiscais e a mudança na diretoria do Bacen.
A dinâmica de crescimento dos gastos não é compatível com a das receitas, mesmo com o aumento da arrecadação com a taxação de fundos offshore, fundos exclusivos e a aprovação do voto de qualidade do Carf. Vamos entrar num calendário de notícias fiscais relevantes. Na próxima semana será publicado o terceiro relatório de receitas e despesas da União e poderemos ver o quanto o contingenciamento anunciado de R$ 15 bilhões endereça o alcance da meta de primário em 0% do PIB este ano. Em agosto será debatido o orçamento de 2025, e aí será a vez do governo anunciar um pacote de corte de gastos para alcançar a meta do resultado primário também de 0% para o ano.
E, entre o terceiro e o quarto trimestre, o novo presidente do Banco Central deve ser anunciado. Esta aproximação do fim do mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto, aumenta as dúvidas sobre o novo perfil da autoridade monetária, afetando a dinâmica do real e dos demais preços de ativos locais.
Então, seja por se tratar apenas de antecipação do ciclo de corte de juros nos EUA e não de uma melhora mais estrutural da economia, seja pelos nossos desafios domésticos, o alívio no mercado de títulos públicos nos EUA acompanhado de algum enfraquecimento do dólar não deve mudar a condução de política monetária do Copom.
Como a autoridade monetária avisa há algum tempo, não existe relação mecânica entre o corte de juros nos EUA ou de política fiscal doméstica e a decisão de política monetária. As futuras decisões de juros dependem dos efeitos dessas novas circunstâncias sobre as dinâmicas dos fundamentos econômicos e dos preços dos ativos locais. Como deveria ser.
Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.
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