De olho nas eleições nos EUA

Poucas variáveis atraem tanta atenção quanto a taxa de câmbio. O real teve um comportamento errático em relação ao dólar neste ano, saindo de R$ 4,85 no início do ano para R$ 5,71 na última quinta-feira. Entre abril e julho, apesar do pessimismo sobre cortes de juros nas economias avançadas, ficou claro que o cenário doméstico dominava o comportamento da moeda. Enquanto o dólar subiu 1,5% frente a uma cesta de moedas emergentes (exceto o real), o real caiu 11,8% em relação ao dólar. Esse período foi marcado pela redução das metas de superávit para 2025 e 2026, o que fez a taxa de câmbio subir 9 centavos em um dia. Contudo, a reta final das eleições nos EUA aumentou o peso do cenário internacional. Nos últimos 30 dias, o dólar subiu 2,3% frente à mesma cesta de moedas, enquanto o real caiu 4,8% frente ao dólar.

Essa crescente relevância do cenário internacional também ficou evidente sobre as demais moedas emergentes. Nos últimos 30 dias, as moedas em geral enfraqueceram frente ao dólar. Isso contrasta com o movimento observado até julho, quando algumas moedas se depreciavam, como o peso mexicano (13,2%) e o peso colombiano (6,6%), enquanto outras se apreciavam, como o peso chileno (1,3%) e o rand sul-africano (3,1%), indicando que a dinâmica doméstica dominava o mercado de moedas.

Essa mudança no cenário global não é surpreendente. A perspectiva de uma política mais agressiva de tarifas de importação nos EUA traz três mensagens preocupantes para os países emergentes: redução do comércio global, diminuição da competitividade de seus produtos no comércio com os EUA (um parceiro comercial relevante para a maioria dos emergentes) e pressão inflacionária nos EUA.

O artigo “The economic impacts of the US-China trade war”, de Fajgelbaum e Khandelwal, publicado pelo NBER em 2021, concluiu que o aumento das tarifas pelos EUA sobre US$ 350 bilhões em produtos chineses e a retaliação da China sobre US$ 100 bilhões em produtos americanos, entre 2018 e 2019, resultaram na redução da renda agregada na China e nos EUA, além de gerar pressões inflacionárias nos EUA, como reflexo do aumento dos custos de produtos importados.

Restrições à China, neste momento, ao reduzir sua renda agregada, agravariam ainda mais a corrente desaceleração econômica causada por problemas estruturais como o envelhecimento da população, o excesso de capacidade produtiva e a bolha imobiliária. Vale lembrar que a China é um dos principais destinos das exportações de commodities dos países emergentes, e o enfraquecimento dessa economia teria um impacto significativo nos volumes comercializados de commodities. Nos últimos doze meses, o Brasil exportou US$ 81 bilhões para a China, quase o dobro do valor exportado para o segundo parceiro, a zona do euro, com US$ 41 bilhões. Essa relevância das exportações para a China também é observada em outros países emergentes exportadores de commodities.

Se as restrições tarifárias forem ampliadas a todos os países que exportam para os EUA, além de enfrentar a queda da demanda chinesa, os países emergentes também poderão sofrer com a redução de suas exportações para os EUA.

No caso do Brasil, a redução do comércio mundial devido ao aumento das barreiras tarifárias não deve comprometer sua solvência externa. O País possui reservas internacionais robustas – US$ 100 bilhões acima do nível considerado adequado pelo FMI -, um déficit em conta corrente moderado (1,8% do PIB) e investimento estrangeiro direto cobrindo 60% das necessidades de financiamento externo (amortizações da dívida externa mais déficit em conta corrente). No entanto, a continuidade do fortalecimento do dólar pode gerar mais pressão inflacionária, o que aumentaria as preocupações da autoridade monetária. No ano, o real já depreciou 18% e, como consequência, a inflação no atacado, medida pelo IGP-DI, saiu de uma deflação de 4,0% em março para uma inflação de 4,8% em setembro.

Como o Copom sempre ressalta, não há uma relação mecânica entre eventos externos e locais na decisão de política monetária. A decisão sobre os juros é guiada pela reação das principais variáveis no cenário de inflação, como expectativas, crescimento econômico e projeções do Bacen. No entanto, será difícil as expectativas e projeções do Bacen não serem afetadas pelo enfraquecimento do real diante do dólar, causado pela queda no comércio global e pela incerteza na política fiscal em meio à desaceleração econômica.

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