Copo meio cheio, copo meio vazio

Como sempre acontece, a divulgação do PIB traz algumas verdades indigestas e reacende alguns debates que às vezes andavam mornos. No primeiro trimestre, a economia cresceu 0,8% frente ao quarto trimestre, com os destaques sendo a alta de 4,1% em formação bruta de capital fixo – investimentos – e de 1,5% em consumo das famílias. Mas revelou alguns fatos tristes, como por exemplo, o vazamento do crescimento via importações, que cresceram 6,5%, explicitando a nossa restrição de produção (oferta), e a baixíssima taxa de investimento, em 16,5% do PIB, que nos lembra do nosso baixo potencial de crescimento. Esta fotografia trouxe mais insumos para o debate sobre a evolução do PIB potencial e da produtividade nos últimos anos.

Limitando a observação ao que aconteceu no primeiro trimestre, o crescimento dos investimentos é boa notícia porque ele aconteceu por crescimento do consumo aparente de bens de capital (soma da produção e importação de bens de capital líquida de exportações). De acordo com a minha estimativa, o consumo aparente de bens de capital cresceu 44% nos primeiros três meses do ano, e seguiu nesta tendência em abril. O fomento criado a partir das debêntures de infraestrutura pode explicar este movimento recente em bens de capital e, mais, podem indicar que o movimento será sustentado por mais trimestres.

Contudo ampliando a observação para o que aconteceu com os investimentos ao longo dos últimos anos, tanto o total de investimento quanto o consumo aparente de bens de capital apenas voltaram ao patamar de final de 2022. Isto porque os investimentos contraíram 3% em 2023, sendo que consumo aparente de bens de capital caiu 22%.

Então, a boa notícia do PIB no primeiro trimestre: o crescimento dos investimentos, por enquanto, é apenas um rebote da queda de 2023. Os próximos trimestres dirão se há motivo para celebrar.

Por outro lado, a taxa de investimento segue baixa, distante dos 27% do PIB alcançados em 1989 ou os 21% do PIB alcançados em 2013, período em que éramos grau de investimento. O patamar de 16,5% é baixo não só na nossa comparação histórica, é também baixo quando comparamos com outros países na América Latina e Caribe, que em média tem a taxa de investimento em 20%, e com países de renda média alta (grupo ao qual participamos na classificação do Banco Mundial) de 33%.

Com essa escassez de investimentos é difícil almejar expansão do crescimento potencial. E, infelizmente, é pouco provável que as reformas feitas desde 2016 consigam suplantar estes 10 últimos anos de taxa de investimento baixa. Por mais que elas tenham sido significativas.

Estimo que o PIB potencial esteja ao redor de 2% e que o hiato do produto já esteja positivo em 0,3%, após a economia crescer ao ritmo de 3% nos últimos anos. Isto sinaliza que daqui para frente não podemos crescer mais que 2%, se quisermos ficar livres de pressões inflacionárias.

As ações que aumentam os investimentos produtivos no País são velhas conhecidas: equilíbrio das contas públicas, fortalecimento das instituições e do Estado de Direito, simplificação tributária e melhora do capital humano via reforma educacional.

Já sabemos que o déficit primário concorre com o investimento produtivo pela poupança das famílias. Os gastos maiores que a arrecadação faz com que o Estado tenha de emitir dívida para se financiar, isto absorve parte da poupança que poderia ser destinada para investimentos produtivos. Mais do que o custo que uma política fiscal expansionista causa para a política monetária, temos que tomar ciência do quanto ela rouba de crescimento futuro do País.

É hora de corrigir a rota para que possamos comemorar outros resultados de PIB robustos e desta vez com o copo cheio.

Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

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