Os EUA atravessam uma fase de crescimento resiliente, polarização política e tensão institucional, onde a política fiscal e comercial agressiva convive com a tentativa de manter a *autonomia do Fed. O pano de fundo para as eleições de 2026 e 2028 será determinado pela percepção de estabilidade econômica e integridade institucional. E a independência do banco central, o equilíbrio nas relações com a China, e a capacidade do sistema político de conter os excessos populistas definirão se a próxima década americana será de continuidade da prosperidade — ou de ruptura com o modelo liberal que sustentou o país por um século.
1. Era de disrupção e populismo estrutural
Bruce Melman descreveu o momento atual como parte de uma “era de disrupção”: tecnológica, geopolítica e cultural. A percepção dominante é que as instituições e políticas americanas foram desenhadas para o século XX e não respondem mais aos desafios contemporâneos, o que alimenta desconfiança, polarização e populismo.
Nesse contexto, Trump é visto como sintoma e acelerador, não causa, de um processo mais profundo de ruptura institucional que se espalha pelo Ocidente. O resultado é uma política altamente volátil, com mudanças de poder em 11 das 13 eleições deste século.
2. Paralisação política e crise de governabilidade
Duncan e Myers destacaram que o impasse atual em Washington decorre menos de diferenças de mérito e mais de tática eleitoral. Os democratas exploram o confronto com Trump para mobilizar sua base, enquanto o Partido Republicano enfrenta uma cisão entre institucionalistas e populistas.
Myers foi incisivo ao afirmar que o Partido Democrata vive sua pior fase organizacional, sem estratégia clara, liderança unificadora ou base de financiamento sólida — embora a impopularidade de Trump ainda funcione como cola e fator de mobilização.
3. Economia resiliente, mas riscos crescentes
O consenso entre os painelistas é que a economia americana permanece surpreendentemente resiliente, sustentada por estímulos fiscais e monetários, boom de investimentos e inovação.
Myers apontou que o governo persegue explicitamente um crescimento de 3% em 2026, apoiado em:
- estímulos ainda em circulação (US$ 1,6 trilhão);
- cortes de juros pelo Fed;
- preços de energia mais baixos;
- desregulamentação em energia e finanças;
- e fluxos de investimento direto recordes.
Essa expansão, porém, aumenta o risco de reaceleração inflacionária. Mehlman e Duncan advertiram que o custo de vida será determinante para o humor do eleitorado: se os salários não acompanharem a inflação, o populismo poderá se fortalecer novamente.
4. Independência do Federal Reserve sob pressão
O tema da independência do Fed surgiu como um dos pontos mais sensíveis.
Duncan avaliou que a Casa Branca está disposta a ir “tão longe quanto o mercado tolerar” para exercer influência sobre a política monetária. O principal instrumento seria a substituição do presidente do Fed quando o mandato de Powell expirar, possivelmente acelerada por uma eventual renúncia de outros membros que abriria novas vagas. A intenção seria nomear diretores “politicamente alinhados”.
Myers, contudo, destacou que *estruturalmente não há tempo hábil nem base legal para Trump “tomar o Fed”. Relatou, com base em conversa com ex-governador do FOMC, que mesmo com pressões políticas, o colegiado manterá sua autonomia.
Ele previu que o Fed continuará independente, mas pode adotar um viés mais dovish, arriscando ficar “atrás da curva”. Powell, segundo ele, deverá permanecer no Board após o fim de seu mandato, como um gesto simbólico de resistência institucional.
Todos os painelistas concordaram que qualquer tentativa de interferência direta na autoridade monetária seria mal recebida pelos mercados e interpretada como sinal de instabilidade política.
5. Política comercial e relação EUA–China
A recente escalada tarifária contra a China foi interpretada como jogo de cena antes de um novo acordo.
Duncan observou que o gesto mais revelador foi a autorização de exportação do chip H20 para a China, um sinal de que Trump busca um “grande acordo” mesmo que isso contrarie sua imagem de “China hawk”.
Segundo ele, as tarifas atuais provavelmente não serão removidas, mas suspensas parcialmente para servir de instrumento de pressão e cumprimento dos compromissos assumidos após a cúpula.
A China, por sua vez, quer acesso a semicondutores e equipamentos de alta tecnologia e redução de tarifas; Trump busca um marco simbólico de vitória comercial para exibir domesticamente.
O consenso é que as tarifas permanecerão como mecanismo de barganha, e que o protecionismo continuará sendo traço central da política econômica americana, independentemente do partido no poder.
6. Política habitacional e possível intervenção do Tesouro
O debate também abordou o que o governo poderia fazer diante de um mercado imobiliário pressionado.
Myers sugeriu que, caso a inflação volte a subir e os rendimentos dos Treasuries avancem, o Tesouro pode intervir de forma inédita, inclusive autorizando compras de MBS (mortgage-backed securities) por meio de ordens executivas — ainda que tal autoridade não exista formalmente.
John ponderou que o Tesouro não tem base legal nem recursos diretos para isso, mas que as GSEs (Fannie Mae e Freddie Mac) poderiam ser instruídas a agir. Ambos concordam que o verdadeiro problema está na oferta restrita de moradias, cuja solução exigiria reformas locais de zoneamento urbano e coordenação federal via programas do HUD. Mehlman completou ironizando que, se o governo realmente quiser resolver o problema, “bastaria não deportar quem constrói as casas e não encarecer os insumos”.
7. Dinâmica partidária e futuro político
O painel também explorou as divisões internas no Partido Democrata, especialmente a tensão entre progressistas e centristas.
Myers admitiu que, em outro país, o partido provavelmente se dividiria em dois ou três, mas a lógica do sistema bipartidário americano impede a fragmentação. Ele acredita que a oposição a Trump continuará sendo o principal fator unificador.
Mehlman observou que a política americana hoje premia candidatos de ruptura, não necessariamente os “sensatos”, o que explica a ascensão de outsiders em ambos os partidos.
Contudo, para 2028, os painelistas preveem que Trump não concorrerá, mas manterá influência sobre o Partido Republicano. Bruce mencionou JD Vance e Marco Rubio como prováveis sucessores do trumpismo. Myers alertou, porém, que a saúde de Trump é um risco político subestimado: caso algo lhe aconteça, JD Vance assumiria e poderia adotar linha ainda mais isolacionista e protecionista, com implicações negativas para a Europa e para a defesa de Taiwan.
8. Expectativas eleitorais e cenário institucional
Todos reafirmaram confiança na continuidade democrática dos EUA, apesar do ruído político.
Myers destacou que, embora Trump provoque as instituições, haverá eleições regulares e robustas, com expectativa de recorde de participação democrata na eleição para o Congresso em 2026.
Ao serem questionados sobre o que esperar do próximo ciclo, respostas inusitadas dado as avaliações expostas nesse debate:
- Partido vencedor da Casa Branca: Democrata;
- Tarifas: permanecerão;
- Orçamento: o país seguirá sob resoluções contínuas (CR), sem aprovação formal do budget.
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