A cruzada contra a desancoragem das expectativas

Desde meados de julho do ano passado as expectativas de inflação de longo prazo têm apresentado um comportamento atípico e preocupante. Primeiro porque as expectativas acima de dois anos à frente seguem estagnadas em 3,50% há 10 meses na pesquisa Focus. Segundo que os máximos das projeções e, consequentemente, os desvios padrões estão próximos dos picos históricos. Tanto a razão entre os máximos projetados e a meta de inflação quanto os desvios padrões só perdem para o observado no final de 2015 e primeiro trimestre de 2016, momento marcado por aceleração inflacionária e, principalmente, de grande incerteza institucional.

Quando abordei este tema no início do ano, destacando a estranheza das expectativas de longo prazo desancorarem da meta em ambiente de desinflação, elenquei dois grandes suspeitos: a falta de credibilidade no marco fiscal e a redução da credibilidade do Banco Central. Ambos os suspeitos relacionados a eventos futuros, como deveria ser. As expectativas de inflação de longo prazo deveriam ser menos sensíveis a flutuações ou choques de curto prazo e mais influenciadas por vetores de longo prazo.

Com relação à política fiscal, a falta de credibilidade no marco fiscal se provou correta. Os gastos federais excluindo o pagamento de precatórios que cresceram 7,5% acima da inflação em 2023 aceleraram para 11% no primeiro trimestre deste ano. Mais impactante, a trajetória da meta primária aprovada em agosto de 2023 foi alterada, reduzindo o resultado primário a ser perseguido em 2025 de superávit de 0,5% do PIB para zero e postergando o comprometimento do alcance do superávit de 1% do PIB de 2026 para 2028, próximo governo.

Com relação a mudança da composição da diretoria do Bacen em 2025, a teoria econômica justifica a cautela. A perspectiva de uma nova liderança mais leniente com a inflação reduz o poder da meta de influenciar as expectativas. Neste sentido, o dissenso na última reunião de política monetária intensificou o debate.

E, de fato, um exercício empírico que tenta capturar a credibilidade da política monetária via influência da meta de longo prazo na formação das expectativas mostra que a confiança estava relativamente baixa no início de 2023, quando foi cogitada a elevação da meta de inflação, e alcançou 90% em julho com a manutenção da meta em 3% e perspectiva da aprovação de novas regras fiscais. No entanto, essa confiança tem diminuído nos últimos meses, refletindo a proximidade da possível transição de liderança assim como a mudança no compromisso fiscal de longo prazo.

Em tempo, a fixação da meta em 3% no longo prazo ainda não foi regulamentada, o que também contribui para a desancoragem das expectativas.

Mas o que explica a tendência de alta do desvio padrão das projeções assim como da razão entre os máximos e a meta? Principalmente, diante da manutenção das projeções de resultado primário de longo prazo inalteradas.

O Bacen acerta quando evidencia a desancoragem das expectativas e reforça o compromisso do Bacen com o alcance da meta de 3%. Mas acredito que as razões que suportam o comportamento das expectativas importam e devem ser exploradas. Só elas darão as recomendações corretas de política monetária, que não necessariamente passa pelo fim do ciclo de corte dos juros como a curva de juros precifica atualmente.

O compromisso com a estabilidade da relação dívida/PIB – que exige contenção de gastos – e o contínuo fortalecimento institucional do Bacen são essenciais nesta cruzada.

Tatiana Pinheiro é economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

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