Dia 2: Entre a estabilidade aparente e as tensões estruturais da economia global

O segundo dia das Reuniões Anuais do FMI trouxe um retrato mais complexo do cenário global: mercados financeiros que aparentam estabilidade, bancos centrais sob pressão política, tensões geopolíticas em alta e um mapa político cada vez mais fragmentado.

A agenda desta terça-feira foi marcada por cinco discussões centrais — das novas projeções econômicas do FMI às relações EUA-China e ao ciclo eleitoral latino-americano —, todas conectadas por um fio condutor: a resiliência global convive com vulnerabilidades profundas, tanto econômicas quanto institucionais.

Perspectivas da economia mundial: resiliência seletiva e riscos persistentes

Na tradicional coletiva sobre o World Economic Outlook, o FMI destacou um cenário de crescimento global moderado, mas desigual.
Os Estados Unidos seguem sustentando o ciclo com expansão próxima de 2%, impulsionados por investimento em tecnologia e consumo robusto — ainda que pressionados pela escassez de mão de obra e tarifas que restringem produtividade.

A Europa mostra recuperação gradual, porém com inflação ainda elevada e desempenho heterogêneo entre países. O Fundo recomendou prudência na redução de juros e reforço da coordenação fiscal, diante de déficits persistentes.
Na China, o modelo de crescimento baseado em exportações e investimento imobiliário dá sinais de esgotamento, e o FMI defende uma transição rumo a um crescimento mais doméstico e voltado à produtividade.

Nos mercados emergentes, o tom foi mais otimista: a depreciação recente do dólar trouxe alívio financeiro e cambial, especialmente em países com dívida externa. Para a América Latina, o FMI reforçou três prioridades — preservar buffers fiscais, manter flexibilidade cambial e estimular produtividade e investimento privado.


Estabilidade financeira global: uma calmaria inquieta

A coletiva sobre o Global Financial Stability Report trouxe uma metáfora precisa para o momento dos mercados: “uma calma inquieta”.
Embora os preços dos ativos e as condições de liquidez indiquem estabilidade, as bases dessa tranquilidade permanecem frágeis.

O FMI destacou três riscos principais:

  1. Valorização excessiva dos ativos, especialmente ações de tecnologia;
  2. Interconexão entre instituições não bancárias, que amplia riscos de liquidez;
  3. Alta dos rendimentos de títulos soberanos, impulsionada por desequilíbrios fiscais.

O Fundo também alertou que o “prêmio de prazo” voltou a níveis pré-crise financeira, elevando o custo estrutural do financiamento público.
Nos emergentes, a mensagem é clara: aproveitar a janela de estabilidade para fortalecer fundamentos fiscais e desenvolver mercados domésticos de capitais.
Em resumo: não confundir calmaria com segurança.


Federal Reserve: independência e credibilidade em jogo

Em evento organizado pela Bloomberg, o painel “Independence, Inflation and the Road Ahead for the Fed” reacendeu o debate sobre a autonomia dos bancos centrais.
Nos Estados Unidos, a sucessão de eventos institucionais — do julgamento sobre a diretora Lisa Cook ao fim do mandato de Jerome Powell em 2026 — levantou preocupações sobre potenciais interferências políticas nas decisões do Federal Reserve.

Os painelistas reforçaram que a independência é condição essencial para a credibilidade monetária, e que enfraquecê-la agora, em meio a uma inflação ainda acima da meta, poderia comprometer o ajuste de preços no longo prazo.
A experiência da Turquia foi citada como alerta — onde a ingerência política resultou em inflação acima de 80% e perda de confiança.
Já o caso brasileiro foi apontado como exemplo oposto: um banco central autônomo que, mesmo sob pressão política, manteve disciplina monetária e consolidou reputação de estabilidade.


China e EUA: um desacoplamento cada vez mais estrutural

O painel “Eurasia – Trajetória da China” reforçou que o desacoplamento econômico entre Estados Unidos e China deixou de ser um risco hipotético para se tornar um processo em curso e possivelmente irreversível.
As tensões, antes centradas em tarifas, hoje se concentram em controles tecnológicos e restrições de exportação. Washington amplia barreiras a semicondutores e softwares críticos, enquanto Pequim responde restringindo minerais estratégicos.

Analistas destacaram que a China vem reorientando sua política industrial para reduzir vulnerabilidades externas e consolidar domínio em setores-chave.
O resultado é um jogo de resistência mútua — uma “guerra de custos e resiliência” que deve definir o ritmo da economia global nas próximas décadas.
A expectativa de um acordo amplo é baixa; se houver avanços, devem ser transacionais e simbólicos, não estruturais.


América Latina: o voto como termômetro de estabilidade

Encerrando o dia, a Eurasia apresentou o painel “Eleições na América Latina”, destacando que a região entra em um novo ciclo político dominado pelo desejo de estabilidade e descrença nas instituições.
Esse sentimento tende a favorecer candidatos de perfil conservador ou outsider, que prometem “ordem” frente à fadiga social.

Na Argentina, Javier Milei enfrenta perda de apoio e deve sair enfraquecido das legislativas.
No Brasil, o presidente Lula chega como leve favorito em 2026, com aprovação próxima de 48%, mas enfrenta o desafio da fadiga eleitoral.
A Colômbia se prepara para uma possível guinada conservadora, e o Chile pode assistir à vitória de José Antonio Kast ou outro nome da direita.

Em comum, o continente reflete um movimento global: a busca por estabilidade política em um contexto de fragmentação econômica e institucional.


Síntese do dia

O segundo dia das Reuniões Anuais do FMI 2025 trouxe um quadro de resiliência com riscos subjacentes:

mercados que parecem calmos, mas escondem desequilíbrios; bancos centrais pressionados; potências em disputa e democracias em reconfiguração.

Se a mensagem de ontem foi sobre a força da economia global, a de hoje é sobre a necessidade de vigilância, prudência e instituições fortes para sustentá-la.

DISCLAIMER

A presente Nota Macroeconômica (“Nota”) foi elaborada pelo economista-chefe da Galapagos Capital Investimentos e Participações (“Galapagos”) e não se configura como um relatório de análise para fins de Resolução CVM nº 20, de 25 de fevereiro de 2021. Neste sentido, a Galapagos destaca que a Nota reflete única e exclusivamente as opiniões do economista-chefe em relação ao conteúdo apresentado. 

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A Galapagos não se obriga em publicar qualquer revisão ou atualizar referidas projeções e estimativas frente a eventos ou circunstâncias que venham a ocorrer após a data deste documento. Ademais, ao acessar o presente material, o interessado compreende dos riscos relativos ao cenário macroeconômico abordado nesta Nota. 

Produzido por Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital

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