Em seu discurso de abertura das Reuniões Anuais de 2025, Kristalina Georgieva fez um balanço do cenário global, contrastando o pessimismo que dominava as expectativas em abril com a realidade mais resiliente observada desde então. Naquele momento, temia-se uma recessão nos Estados Unidos e, em seguida, na economia mundial, diante da escalada de tensões comerciais e de incertezas em torno das novas tarifas americanas sobre produtos chineses. No entanto, a recessão não se concretizou, e a economia global demonstrou uma capacidade de resistência superior ao esperado.
Diferenças entre abril e o cenário atual
Em abril, predominava a percepção de que o endurecimento da política comercial e monetária poderia levar a uma contração significativa da atividade. Agora, os dados mostram uma desaceleração moderada, mas sem colapso. As tarifas médias americanas devem ficar em torno de 17,5%, abaixo dos 23% inicialmente anunciados, e muitos países evitaram medidas retaliatórias, preservando o comércio internacional. O resultado é um crescimento global mais estável, ainda que desigual, sustentado por fundamentos macroeconômicos mais sólidos do que se imaginava há alguns meses.
Razões para a resiliência
Kristalina destacou quatro pilares que explicam essa resiliência:
1. Fundamentos macroeconômicos mais fortes: desde a crise financeira global, muitos países aprimoraram a transparência fiscal, fortaleceram a independência dos bancos centrais e criaram conselhos fiscais, o que aumentou a credibilidade das políticas públicas.
2. Maior papel do setor privado: a economia global tornou-se mais flexível à medida que atividades antes estatais migraram para o setor privado. Diante de choques, empresas ajustam-se rapidamente, diversificando cadeias de suprimento e amortecendo impactos.
3. Sem retaliação comerciais (sem aumento do protecionismo): o comércio internacional foi afetado, mas menos do que o esperado, em parte porque prevaleceu a contenção nas respostas e as regras multilaterais continuam válidas.
4. Condições financeiras melhores: o acesso ao crédito e à liquidez se manteve mais favorável que o previsto, ainda que o endividamento elevado continue a representar risco relevante.
Desafios e prioridades à frente
Apesar da resistência, Georgieva alertou para um quadro de crescimento fraco e dívida alta, que limita o espaço de manobra das economias.
A prioridade, segundo ela, deve ser: i) reduzir os níveis de endividamento e ii) avançar na reestruturação da dívida de países vulneráveis, com transparência e coordenação entre credores e devedores.
O FMI, em conjunto com o Banco Mundial, vem aprimorando o framework para renegociação e criando instrumentos para países com problemas de liquidez, mas dívida ainda sustentável.
Outro ponto central da avaliação de Georgieva foi o crescimento como via para sair da armadilha da dívida. Para isso, é essencial criar condições para investimento, geração de empregos e empreendedorismo, com foco especial na juventude, particularmente nas economias emergentes com população crescente, mas carência de capital.
Georgieva enfatizou a necessidade de conectar o capital das economias envelhecidas e ricas com o potencial produtivo das nações jovens, de modo a equilibrar oportunidades e sustentar a coesão global.
Coesão social e confiança institucional
A diretora-geral também alertou para o aumento da insatisfação social, especialmente entre os jovens, que têm recorrido aos protestos para reivindicar inclusão e transparência. Ela defendeu que a melhor resposta é o fortalecimento das instituições públicas, com políticas eficazes e responsáveis, capazes de reconquistar a confiança dos cidadãos.
O papel do FMI
Por fim, Kristalina reafirmou que o objetivo central do FMI é promover estabilidade macroeconômica, crescimento sustentável e prosperidade compartilhada. Isso requer:
- Governança sólida e combate à corrupção, com integração obrigatória da análise de fluxos financeiros ilícitos nas avaliações econômicas (Artigo IV);
- Engajamento com a sociedade civil, para ampliar a legitimidade das reformas;
- Inclusão de gênero e proteção social, reconhecendo que nenhuma economia prospera excluindo parte de sua população.
Produzido por Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital